Já pensou que do mesmo modo que a tecnologia facilita nossa vida, ela pode ajudar pessoas que tem muitas barreiras a transpor todos os dias? Sabia que muitas vezes a tecnologia que serve pra mim e pra você pode não estar disponível pra um deficiente visual ou pra alguém que tem deficiência motora?

Segundo o censo demográfico de 2010, por volta de 45 milhões de brasileiros (23,9%) tem algum tipo de deficiência.

A ideia deste post é contar a relação de um Deficiente Visual com o mundo online e como a acessibilidade na web pode abrir portas e tornar o mundo do DV mais rico, colorido e cheio de possibilidades.

“Acessibilidade na web é a possibilidade e a condição de alcance, percepção, entendimento e interação para a utilização, a participação e a contribuição, em igualdade de oportunidades, com segurança e autonomia, em sítios e serviços disponíveis na web, por qualquer indivíduo, independentemente de sua capacidade motora, visual, auditiva, intelectual, cultural ou social, a qualquer momento, em qualquer local e em qualquer ambiente físico ou computacional e a partir de qualquer dispositivo de acesso.”
Cartilha ACESSIBILIDADE NA WEB W3C BRASIL

UBDD – Camila, pode se apresentar pra nós?
Camila – Estou deficiente visual há uns 12 anos. Moro com meus pais, minha irmã e meu cachorro Téo.
Sou formada em Gestão Empresarial, finalizando uma pós graduação em Gestão Estratégica em Negócios e estou na segunda faculdade: análise e desenvolvimento de sistemas. Todos os meus estudos foram realizados na FATEC Praia Grande. Atualmente, estou à procura de estágio na área de TI.

UBDD – Como a internet entrou na sua vida como DV?
Camila – Fui fazer reabilitação em uma entidade (Casa da Visão – Santos) e lá um professor de informática, também deficiente visual, me apresentou o computador e a internet. Lá aprendi desde a ligar o PC até navegar na internet. Devo a eles uma boa parte do que sei hoje.

UBDD – Como você faz para usar o computador? Como navega em um site?
Camila – Utilizo um programa que “lê” todo o texto da tela, além de ler também cada tecla que aperto.
Para navegar, os DVs utilizam as teclas TAB e as setas para cima e para baixo. Se há um link, apertamos ENTER. Além disso, há os atalhos dos navegadores e sites que nos auxiliam muito.

UBDD – Quais programas você mais gosta de usar? Por quê?
Camila – Para leitura das telas uso o NVDA. É o mais conhecido no mercado atualmente. É gratuito e supre minhas necessidades.
Uso um app que tira selfie, achei bem bacana!!! Também uso um programa chamado songr pra download de músicas.
Nos estudos, dois programas que me ajudam muito são o balabolka e o Abinee reader. Um arquivo scaneado com extensão pdf é transformado em arquivo de texto no formato doc. Posso editar se precisar. Não consigo ler textos em imagem. É uma verdadeira benção, me ajuda muito.
Para transações bancárias uso o internet banking do Brasdesco.
Também uso o GPS do celular quando preciso ir a algum lugar. É assim que a tecnologia ajuda a otimizar o meu dia e meu tempo.

UBDD – Pode explicar como e quais redes sociais usa? Conta como faz para “ver” fotos :)
Camila – Eu uso mais o Facebook e o WhatsApp. Skype e LinkedIn uso com menos frequência.
No “Face”, eu consigo navegar através do TAB, das setas e dos atalhos. Dá pra enviar mensagens, conversar com meus amigos, curtir postagens e inserir fotos. Porém, para as fotos, realmente preciso de um olho amigo, pois não vejo as imagens. Só consigo entender as fotos quando as pessoas colocam uma descrição na postagem. #Ficaadica!!! Quero fotos com descrição no face, amigos!!!
No WhatsApp o leitor lê a medida que passo meu dedo na tela. Para alguma ação é só dar um duplo clique e pronto.
Me dou muito bem no “Whats” e no “Face”. Digito mensagens, envio mensagens de voz, faço ligações, crio grupos, recebo mensagens de voz e texto.

UBDD – Usa celular? Qual modelo usa? Prefere a web ou seu celular pra navegar? Por quê? Usa o modo de acessibilidade do celular?
Camila – Uso um moto G segunda geração. Faço uso do modo de acessiblidade. Acionei a voz do talkback e configurei alguns itens para me ajudar.
Uso na mesma proporção o celular e o notebook, tudo vai depender da onde estiver trabalhando no momento.

UBDD – O que acha bom e o que acha ruim para o DV que usa o celular?
Camila – O celular nos auxilia muito no dia-a-dia. Existe um incomodo em relação a determinadas marcas de celulares que mexem na configuração (nativa) do Android e tornam os aparelhos inacessíveis para nós. A navegação fica travando… é simplesmente horrível.
Na última atualização do meu Android não pude mais colocar o despertador para tocar. Antes eu digitava o horário e agora colocaram um relógio de ponteiro. Como vou girar o ponteiro do relógio? Ficou inviável colocar o celular pra despertar por enquanto.

UBDD – Há alguma diferença em usar o Iphone?
Camila – Nunca usei, mas conheço alguns DVs que tem. Dizem que é maravilhoso em termos de acessiblidade. Não trava e é mais seguro, pois quando está no modo acessível a tela fica escura e ninguém pode ver o que estamos fazendo. Geralmente quem usa não quer voltar mais para o Android. Pena que é caro.

UBDD – Como sente a relação dos outros DVs com a web? Eles reclamam muito? Gostam?
Camila – Não vejo reclamação sobre a internet, pois ela torna nossa vida bem mais prática. Podemos estudar, conversar com os amigos, fazer compras, utilizar o banco. Tudo dentro de casa.
As reclamações são em relação a alguns sites que não são acessíveis.

UBDD – No que a internet faz sua vida melhor? Você se imagina vivendo sem ela?
Camila – Ela simplesmente otimizou a minha vida. Resolvo uma boa parte dos meus afazeres através da internet. Ela trouxe novas possibilidades na vida. Através dela, voltei a estudar, a trabalhar e conheci novos amigos. Sinceramente, hoje não consigo me ver sem meu celular e meu notebook, me sinto “cega” sem eles. Rsrsrs.

UBDD – Algum recado que gostaria de deixar para as pessoas que trabalham com acessibilidade na web?Camila – Claro. Não existe uma lei que obrigue os desenvolvedores a realizar sites com acessibilidade. Dependemos do bom senso de quem desenvolve os sites. Por favor, usem “boas práticas” de acessibilidade para desenvolver.
As pessoas com deficiência também compram e consomem. Quem está preparado para atender as necessidades deste público tem vantagens. As pessoas precisam parar de ver esteriótipos e começar a perceber as competências e habilidades para vivermos em uma sociedade mais justa e igualitária.

UBDD – Obrigada! Ah, a Camila está procurando trabalho na área de tecnologia. Quem quiser falar com ela, é só entrar em contato: Bsilva.camila@gmail.com