As Deficiências Nos Canais de Transmissão E a Ineficácia Da Política Monetária No Brasil
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As Deficiências nos Canais de Transmissão e a Ineficácia da Política Monetária no Brasil
Emilio Chernavsky (*)
Com efeito, após mais de dez anos os resultados alcançados pela política em termos do mix das taxas de inf lação e juros vigentes não têm sido particularmente brilhantes. Isso não deve surpreender se considerarmos que a maioria dos estudos realizados para o caso brasileiro que investigam o impacto das mudanças nas taxas de juro sobre os preços tende a mostrar um reduzido e mesmo por vezes contraditório efeito das variações nas taxas de juros sobre a inflação (ver survey em ChErnAvSky, 2011, p. 118), apontando a ineficácia da política monetária. te satisfatória têm estado presentes no Brasil. A transmissão dos efeitos da alteração na taxa Selic aos preços pode ser dividida em duas etapas. na primeira, a mudança na taxa básica de juros impacta a demanda agregada e, assim, o nível do produto. Em seguida, a variação do produto conduz à alteração nos preços. O debate tradicional acerca do funcionamento dos canais de transmissão tem se focado essencialmente nos mecanismos que operam na primeira etapa e definem as características de cada canal, e será apresentado brevemente com base na conhecida exposição de Mishkin (1995).
1 Introdução
Ao final da mais recente reunião do Copom/BCB, encerrada em 20 de abril último, foi divulgada a decisão do Comitê de, dando seguimento ao processo retomado em dezembro de 2010, elevar a taxa Selic em 0,25p.p., levando-a a 12,00% ao ano. Com isso, como tem sido o caso desde pouco antes da estabilização monetária em meados de 1994, a taxa básica real de juros no País permanece entre as mais elevadas do planeta. As altas taxas são geralmente justificadas como necessárias para permitir o controle da inflação no País. Efetivamente, a manipulação da taxa Selic pelo BCB constitui o instrumento principal senão o único na condução da política monetária desde a implantação do regime de metas de inf lação em meados de 1999. Entretanto, o fato de que, no caso do Brasil, a vigência de taxas de inflação que numa perspectiva internacional não são especialmente reduzidas requeira a manutenção de taxas reais de juros que, nessa mesma perspectiva, são excepcionalmente elevadas, tem provocado recorrentes questionamentos.
2 Os Canais de Transmissão
Amplamente reconhecida, essa ineficácia é normalmente explicada pelas deficiências e incertezas, especialmente agudas em países emergentes, envolvidas no funcionamento dos canais por meio dos quais as variações nas taxas básicas de juro afetam os preços – os canais de transmissão. Buscando avaliar o quão ineficaz a política efetivamente tem sido, analisar-se-ão a seguir os canais de transmissão mais frequentemente citados na literatura 1 , verificando se as condições necessárias para que eles operem de forma minimamen-
2.1 Canal da Taxa de Juros
Este canal não é nada mais que o mecanismo tradicional capturado pelo esquema IS-LM e proporciona um quadro geral para a análise da transmissão da política monetária. Os demais canais podem, inclusive, ser vistos como extensões ou detalhamento de alguns de seus pontos principais. O canal funciona
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temas de economia aplicada de forma sistemática em pat amares extremamente elevados, fazendo com que a taxa de juros relevante para a tomada de decisões dos agentes privados seja muito superior à taxa básica, as alterações desta, mesmo quando repassadas integralmente, provocam variações percentuais nas taxas finais significativamente menores (ChErnAvSky, 2011, p. 128), reduzindo fortemente seu efeito potencial. Com isso, o efeito das variações na Selic sobre o volume de crédito às pessoas físicas tem sido praticamente nulo, enquanto o impacto negativo sobre o crédito às pessoas jurídicas foi pequeno e estatisticamente pouco significativo (ibidem, p. 130).
Para que o canal da taxa de juros funcione dessa forma, entretanto, três condições devem ser satisfeitas: 1. a alteração na taxa Selic deve levar à mudança das taxas relevantes para as decisões de investimento das empresas e consumo das famílias; 2. a variação dessas taxas deve provocar um impacto efetivo sobre o volume de crédito demandado; 3. a variação no volume de crédito deve se refletir no nível de atividade. Assumiremos que esta terceira condição de modo 2 geral tem se verificado no Brasil, e discutiremos, a seguir, as duas primeiras. Em relação à transmissão das variações nas taxas básicas de juros às taxas para os tomadores, como o spread bancário historicamente praticado no País tem se mantido
Por outro lado, em especial a partir de 2003, importantes mudanças institucionais e de política pública alteraram profundamente as características do mercado de crédito no País, que passou a se expandir fortemente. Com isso, as operações que até então nunca haviam alcançado 30% do PIB, superaram esse patamar no final de 2005 e continuaram crescendo rápida e quase que ininterruptamente até atingir 45% de um produto em expansão no início de 2010. Esse crescimento, que se orientou não somente aos gastos com investimento, mas, em grande medida, ao consumo – geralmente menos sensível às flutuações na taxa de juros – manteve-se inclusive e notadamente durante e nos meses que se seguiram aos dois períodos de intenso aperto monetário ocorridos entre set/04 e ago/05 e entre abr/08 e dez/08, assim como nos intervalos em que a taxa Selic permaneceu estável.
Ou seja, as mudanças estruturais no mercado de crédito associadas à baixa sensibilidade relativa da taxa final de juros às variações na taxa básica fizeram com que, ao longo do período examinado, os efeitos da política monetária transmitidos pelo canal da taxa de juros fossem inferiores ao que o bom funcionamento do canal exigiria, comprometendo sua efetividade.
2.2 Canal da Taxa de Câmbio
A existência deste canal se deve ao fato de que, numa economia aberta, um aumento da taxa de juros doméstica torna os ativos denominados em moeda local mais atrativos em relação aos ativos em moeda estrangeira e aumenta a demanda por eles, o que leva, mantida a paridade descoberta da taxa de juros, à valorização da moeda. Essa valorização, por sua vez, torna os bens produzidos localmente mais caros em relação aos bens estrangeiros, provocando a queda das exportações líquidas e, assim, da demanda agregada e do produto.
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A operação do canal da taxa de câmbio pressupõe: 1. a validade da paridade descoberta da taxa de juros, que permite que os movimentos nos juros se reflitam de forma previsível sobre a taxa de câmbio; e 2. a sensibilidade significativa das exportações líquidas às variações nessa taxa. Ambas as suposições são certamente discutíveis. cionamento deste canal não têm se verificado de forma satisfatória, comprometendo também sua eficácia. os níveis de investimento e consumo e, assim, a demanda agregada. Quando incorporamos na análise duas características centrais das estruturas da dívida pública e da distribuição da renda no país, a satisfação de ambas as condições se torna questionável.
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2.3 Canal do Preço dos Ativos
Em relação à primeira, estudos internacionais geralmente questionam sua validade empírica, rejeitando-a de forma quase unânime para f lutuações no curto prazo. Para o caso brasileiro, desde meados de 2003 os efeitos de choques na Selic sobre a taxa de câmbio real foram pequenos e não significativos (ibidem, p. 132), sugerindo que, no curto prazo, a paridade descoberta da taxa de juros não tem se verificado. Em segundo lugar, a pauta de exportações brasileiras, concentrada em commodities e alguns poucos produtos industriais, e o ainda relativamente reduzido – embora crescente – coeficiente de importações no País, fazem com que as exportações líquidas do País se mostrem particularmente pouco sensíveis, no curto prazo, a flutuações na taxa de câmbio (ibidem, p. 133). Pode-se concluir, portanto, que as condições necessárias para o fun-
Este canal inclui dois mecanismos distintos. O primeiro deles apoia-se no q de Tobin, a razão entre o valor de mercado das firmas e o custo de reposição de seu capital. Quando q é superior a um, as firmas possuem um incentivo a investir para aumentar seu estoque de capital a um valor baixo em relação a seu valor de mercado. A elevação da taxa de juros aumenta a atratividade dos títulos novos em relação às ações pressionando pela redução do valor destas e, assim, da razão q , o que, por sua vez, leva à redução dos investimentos e, com isso, da demanda agregada. O segundo mecanismo opera através do efeito-riqueza sobre o consumo: quando os preços das ações e outros títulos caem em resposta a um aumento da taxa de juros, a riqueza das famílias se reduz e com isso seu patamar de consumo e a demanda agregada. A operação do canal do preço dos ativos requer, contudo, a satisfação de duas condições básicas: 1. a variação na taxa de juros deve ser efetivamente capaz de afetar o preço dos ativos, principalmente as ações e os títulos de dívida pública; e 2. esta variação deve influenciar
Por outro lado, a grande desigualdade na propriedade da riqueza faz com que uma parcela singularmente elevada dos ativos disponíveis na economia se concentre nas mãos de uma fração muito reduzida da população cuja propensão marginal a consumir é particularmente baixa, o que também faz com que o efeito das mudanças no preço desses ativos sobre o nível agregado de consumo seja pequeno.
Por um lado, se os preços das ações parecem reagir à elevação da taxa básica de juros como esperado, reduzindo-se, o mesmo não pode se dizer do preço dos títulos da dívida pública, que respondem por uma parcela extremamente elevada da riqueza financeira das famílias no país. Isto ocorre porque essa dívida contém uma participação sumamente elevada de títulos pós-fixados com duration praticamente igual a zero que não têm, em absoluto, seu valor afetado por alterações na taxa de juros, reduzindo fortemente o efeito dessas alterações sobre a riqueza das famílias e, assim, sobre seu nível de consumo.
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Além disso, se o efeito-riqueza da política sobre o consumo é limitado pela estrutura da dívida pública, o mesmo não ocorre com o efeito-renda causado por uma elevação da taxa de juros, a qual se reflete inst ant aneamente no aumento dos rendimentos dos detentores dessa dívida que, por sua vez, leva à expansão dos gastos em consumo e, assim, da demanda agregada, gerando um impulso contrário às intenções da política.
temas de economia aplicada isso, o colateral que podem oferecer para garantir os empréstimos tomados. nesse caso, as possíveis perdas dos bancos derivadas da seleção adversa aumentam. Por outro lado, a redução do valor das firmas eleva o problema do risco moral, uma vez que os proprietários possuem agora uma parcela menor das firmas e se tornam mais propensos a participar em empreendimentos arriscados. Ambos os efeitos levam à redução do volume de empréstimos concedidos e, dessa forma, à diminuição dos investimentos e da demanda agregada. Em ambos os casos, aumentos (reduções) nas taxas básicas de juro devem conduzir à diminuição (expansão) da oferta de crédito por parte dos bancos. Entretanto, como mostra a notável expansão do crédito, sustentada e pouco sensível às variações na taxa básica de juros, comentada acima no caso do canal da taxa de juros, os impactos das mudanças institucionais e de política pública têm superado amplamente os eventuais efeitos da política monetária transmitidos por ambos os subcanais. Com isso, a efetividade também do canal do crédito, no período examinado, se vê fortemente questionada. tem sido muito tímido (ibidem, p. 138). Esse impacto não é, contudo, o objetivo final da política monetária, que busca, por meio das variações no produto, afetar o nível de preços.
Tais considerações fazem com que a eficácia do canal de transmissão do preço dos ativos seja, também, altamente questionável.
2.4 Canal do Crédito
O canal de crédito pode ser dividido em dois subcanais: o primeiro, de empréstimos, apóia-se na especial importância dos bancos na alocação de recursos quando os problemas de informação assimétrica são particularmente pronunciados, como é o caso dos empréstimos concedidos a firmas pequenas e do crédito ao consumidor. Por meio deste canal, um aumento na taxa de juros provoca a diminuição dos depósitos e das reservas bancárias, forçando os bancos a reduzir a oferta de empréstimos. Com isso, diminuem os investimentos e o consumo, e, assim, a demanda agregada.
Entretanto, não se deve esperar que isto ocorra sem dificuldades numa economia tal como a brasileira, fortemente oligopolizada, na qual a atividade industrial (cujos preços são mais flexíveis) responde por apenas entre 25% e 30% do produto total, e onde os preços administrados possuem uma participação particularmente elevada nos índices de inflação (mais de 30% do IPCA). Estas condições, que normalmente levam a uma rigidez importante na formação dos preços, impedem que a variação nas quantidades produzidas se reflita total e rapidamente nos preços industriais e fazem com que os movimentos destes apenas de forma lenta e gradual sejam transmitidos aos demais preços da economia. Com efeito, o impacto das variações no produto industrial sobre o IPCA tem se mostrado, desde janeiro de 2003, extremamente baixo e não significativo (ibidem, p. 139).
O segundo subcanal, do balanço, opera através do impacto da política sobre o valor líquido das firmas: um aumento da taxa de juros tende a reduzir o valor daquelas e, com
3 Flutuações do Produto e os Preços
Em função das deficiências apontadas no funcionamento dos canais de transmissão no Brasil, o impacto das variações na taxa básica de juros sobre o produto industrial
Com isto e com o impacto limitado das variações na taxa básica de juros sobre o produto industrial acima verificado, dificilmente a política monetária poderia mostrar-se eficaz. E de fato, o impacto das variações na taxa Selic sobre a inflação medida pelo IPCA, além de extremamente modesto, tem sido
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temas de economia aplicada estatisticamente não significativo (ibidem, p. 139). institucionais e comportamentais que vêm se verificando ao longo do período no qual a política tem sido implantada. Em razão da violação dessas condições, a eficácia da política na situação concreta vigente no país tem se mostrado extremamente baixa, quando não mesmo nula.
1 Que não exaurem, contudo, todas as formas possíveis de transmissão das variações na taxa de juro aos preços, notadamente o canal de custos da política monetária (LIMA; SETTErFIELD, 2008) e os efeitos estruturais da taxa de juros (ChErnAvSky, 2008) que condicionam a evolução dos preços, negligenciados pela abordagem convencional com base nas hipóteses de que os choques de custos são aleatórios e que o produto potencial é independente da evolução da demanda. A atuação destes mecanismos torna a eficácia da política monetária ainda menor. 2 O que não é inteiramente verdade, considerando que grande parte da expansão do crédito tem sido absorvida pelo aumento no preço dos ativos, financeiros e reais, já existentes, e não pelo aumento do nível de atividade. 3 Situação em que o aumento da taxa de juros conduz, contrariamente ao esperado, à elevação da taxa de inflação.
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Tal resultado, que aponta a grande ineficácia da política, não é em absoluto original. Com efeito, as evidências na literatura empírica sobre o assunto que comprovariam os impactos do aumento da taxa básica de juros sobre a taxa de inflação são em geral estatisticamente não significativas, enquanto os indícios apontando a existência de um price puzzle 3 na operação da política monetária são bastante robustos. Assim, os resultados aqui apresent ados, produto de exercícios com séries de dados mais recentes e extensas do que na maior parte da literatura, apenas confirmam as evidências anteriores, apontando o desempenho especialmente acanhado da política monetária como instrumento de combate à inflação no Brasil.
Diante dessa ineficácia e considerando os elevados custos envolvidos, questiona-se aqui se a decisão de aplicar uma política rigorosa ao longo de já mais de uma década tem sido de fato a mais adequada ou se, ao contrário, nas condições objetivas existentes na economia brasileira o papel central assumido pela taxa básica de juros na busca do controle da inflação deveria ser rejeitado e ela utilizada de forma muito mais parcimoniosa e em combinação com outros instrumentos.
4 Considerações Finais
Após análise do funcionamento dos principais canais mais frequentemente citados por meio dos quais as alterações na taxa básica de juros afetam os preços, verificou-se que as condições necessárias para o bom funcionamento desses canais, no caso do Brasil, ou não estão presentes ou estão apenas de forma muito parcial, e são marcadas por uma profunda incerteza, situação que resulta das características estruturais da economia do País e das importantes alterações
Referências
ChErnAvSky, E. Efeitos estruturais da política monetária e o canal de custos. Informações Fipe, n. 336, set. 2008. ChErnAvSky, E. No mundo da fantasia: uma investigação sobre o irrealismo na ciência econômica e suas causas. Tese (Doutorado). FEA – Universidade de São Paulo, 2011.
LIMA, G. T.; SETTErFIELD, M. Pricing behaviour and the cost-push channel of monetary policy. XIII EnCOnTrO nACIOnAL DE ECOnOMIA POLíTICA, João Pessoa, 2008. MIShkIn, F. S. Symposium on the monetary transmission mechanism. The Journal of Economic Perspectives, v. 9, n. 4, p. 3-10, Autumn 1995.
(*) Doutor em Teoria Econômica pela FEA/ USP. (E-mail: echernavsky@gmail.com).