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Filmologia

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DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
2ª Frequência de Filmologia
(17 de Dezembro de 2014 – 20 de Dezembro de 2014)

NOME: JOÃO OLIVEIRA
Nº 38045
Em que medida o cinema transforma os modos de percepção natural do mundo, e quais as principais consequências dessa transformação, na configuração de uma nova arte?

Podemos dizer que o dispositivo cinematográfico funciona como um médium que permite dar visualidade ao pensamento, na medida em que o cinematógrafo nos oferece o invisível e isso está bastante presente na teoria de Epstein1. Ainda na mesma linha, quando Epstein2 nos fala da Fotogenia não está a referir-se à qualidade da fotografia; pelo contrário, ‘’a fotogenia francesa procura definir a imagem cinematográfica em relação ao cinema’’3, nas palavras de Deleuze. Como o autor nos diz, ‘’o pensamento permanece próximo da realidade concreta’’4. A Gestalt dedicou um papel significante no que toca ao cinema - um dos teóricos fundamentais do formalismo, Hugo Munsterberg, vê o cinema como uma arte mental e não do mundo na medida em que funciona como um mediador da mente5. A fotogenia para Delluc
1

A escola impressionista ou a primeira vanguarda francesa dos anos 20, onde Epstein ‘’se insere’’, vê a montagem como um equivalente visual dos ritmos musicais utilizando a primeira de forma a provocar efeitos dramáticos complexos ou mesmo criar sensações. Esta vanguarda vê no tempo a expressão máxima do fluxo visual, fluxo imagético esse capaz de ''impressionar'', isto é, esta escola procura um cinema em volta do movimento, na luz, adquirindo uma cor-movimento, caracterizada pelo cinzento. Como nos diz Deleuze, a luz é por já por si movimento na medida em que o puro movimento extende-se nas várias gradações do cinzento. A montagem é também uma importante componente surgindo aqui como uma ferramenta fundamental para criar um jogo de luz-corpos no ecrã: um dos exemplos é a montagem acelerada utilizada por Abel Gance.
2
Epstein considera o cinema como um ser siamês, constituído por dois gémeos. Estes dois gémeos estão unidos por dois pontos: pelo estômago e pelo coração. Um dos gémeos é a arte cinematográfica e o outro a indústria do cinema, dedicando no seu ensaio, uma especial atenção ao primeiro. (cf.
EPSTEIN, Jean, ‘’On Certain Characteristics of Photogénie’’ citado in ABEL, Richard, French Film
Theory and Criticism – A History, Princeton University Press, New Jersey, pp. 314- 318
3
DELEUZE, Gilles, A Imagem-Movimento – Cinema 1, Assírio & Alvim, pp.
4
EPSTEIN, Jean, Esprit de Cinéma, Éditions Jeheber, Paris, pp. 33
5
‘’Os primeiros planos e ângulos de câmara existem não apenas por causa das lentes e câmaras que os tornam tecnicamente possíveis, mas por causa do próprio modo de trabalho da mente, que ele
[Munsterberg] chama de atenção.’’ MUNSTERBERG, Hugo, The Photoplay: A Psychological Study cicitado in ANDREW, Dudley, As principais teorias do cinema, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, pp. 29

funcionaria como um mediador entre a matéria e a imagem permitindo a possibilidade de compreender melhor a natureza6. Contudo, Epstein têm uma visão ligeiramente diferente: a fotogenia como qualquer coisa, ser ou espírito que possa ser aumentado pela reprodução fílmica7, ou por outras palavras, a fotogenia como a essência do cinema. Em Grand Hotel8, existe uma evidente fotogenia, à maneira de Delluc mas também de Epstein, que é expressa tanto pelo espaço do plano (onde se inserem os actores, o movimento), num espaço movente onde os vários pontos-de-vista, ângulos e distâncias actuam na medida em que o cinema toma forma devido ao movimento Greta no espaço do seu quarto, as personagens que saíam de cena; a montagem funciona aqui articulado ao que se pode chamar de corte simples na medida em que há uma colagem entre duas imagens, uma que liga a seguinte, sendo importante realçar o campo-contracampo e a lei dos 180º9 - veja-se a conversa que Garbo tem com John
Barrymore onde é bastante visível a utilização do campo-contracampo.
Ora, o cinema viaja numa mobilidade de ''espaço-tempo'’, tempo esse que devido à montagem faz com que algo mude ao longo do filme, extraindo assim da imagemmovimento, a imagem do tempo. A montagem francesa pretende estabelecer assim uma composição mecânica de imagem-movimento de maneira a que seja possível extrair ou abstrair deles um só corpo10. O movimento e o close-up surgem em Epstein como as condições essenciais do dispositivo cinematógrafo já que são estes dois aspectos que permitem uma transformação da realidade. Veja-se que mesmo que as lentes do dispositivo possam realçar certos caracteres ''mascarados'', é necessária uma sensibilidade que permita a que essas mesmas lentes possam ser elevadas a um patamar superior11. O close-up acrescenta uma nova vida à narrativa na medida em que o dramatismo12 dado pelo grande plano nada têm de comum com a vida humana, isto é, o close-up dá ao cinema uma dimensão viva e, por seu lado, essa vivacidade imagética permite que se veja a personalidade, uma personalidade própria13. O closeup surge como uma leitura afectiva de todo o filme e isso é bastante visível nas obras
6

GRILO, João Mário, As Lições do Cinema – Manual de Filmologia, Edições Colibri, Lisboa, pp. 51
EPSTEIN, Jean, op. cit., pp. 314
8
GRAND HOTEL por Edmund Goulding, MGM, 1933
9
O presente filme insere-se na típica concepção de Hollywood onde está bastante presente as
‘’rígidas’’ regras de ouro que ditam as leis desta época clássica.
10
DELEUZE, Gilles, op. cit., pp. 70
11
Essa sensibilidade cabe ao cineasta, que Epstein vê em Abel Gance o seu esplendor.
12
Para deixar bem explicitado, a narrativa estava intrínseca na fotogenia de Epstein.
13
EPSTEIN, Jean, op. cit., pp. 317-318
7

de Eisenstein14 - todas as coordenadas espácio-temporais são arrancadas pelo close-up na medida em que se opera uma desterritorialização da imagem-afecção não existindo relação nenhuma com o espaço. Como nos diz Epstein, é no close-up que é possível ver a Entidade, o Sentimento-Coisa15, como a alma do cinema. Contudo, a imagemafecção traz consigo um espaço que lhe é próprio. No rosto da Greta Garbo - que não é um rosto, é UM rosto, pegando nas palavras de Epstein - somos incapacitados de percepcionar o espaço para que se faça exprimir o afecto puro. Se a escola onde insere
Epstein procura realçar a importância na autonomia da linguagem visual, é lógico que não se estranhe que este mesmo autor veja a imagem-afecção como a expressão máxima da fotogenia.

Numa luta por cinema visto como arte, onde se inserem as teorias formalistas supracitadas, vieram a provar que o cinema mostra o real, que não é necessariamente outro mas o mesmo, mais profundo, de modo que os nossos próprios rostos, que julgamos conhecer tão bem, nos pareçam tão estranhos nas imagens do cinema.

14
15

DELEUZE, Gilles, op. cit., pp. 137
Ibidem, pp. 149

BIBLIOGRAFIA

AAVV, Jean Epstein – Critical Essays and New Translation (org. Sarah Keller &
Jason N. Paul), Amsterdam University Press, Amsterdam, 2012;
ABEL, Richard, French Film Theory and Criticism – A History, Princeton University
Press, New Jersey, 1988;
AIMEL, Vincent, A Estética da Montagem, Edições Texto & Grafia, Lisboa, 2010;
APARÍCIO, Maria Irene, Luz E Arquitectura Do Espaço No Filme – Imagem,
Memória e Emoção na Década da Mente, 2010, 556 f., Tese (Doutorado em Cinema),
FCSH – Lisboa, 2010;
ANDREW DUDLEY, As principais Teorias do Cinema – Uma Introdução, Jorge
Zahar Edições, Rio de Janeiro, 2002;
CORDEIRO, Edmundo, Actos do Cinema – Crónica de um Espectador, Angelus
Novus Editora, Coimbra, 2005
DELEUZE, Gilles, A Imagem-Movimento – Cinema 1, Assírio & Alvim, Lisboa,
2009;
DELEUZE, Gilles, A Imagem-Tempo – Cinema 2, Assírio & Alvim, Lisboa, 2006;
EPSTEIN, Jean, Esprit de Cinéma, Paris, Éditions Jeheber, 1955;
GRILO, João Mário, As Lições do Cinema – Manual de Filmologia, Edições Colibri,
Lisboa, 2009;

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