1. Introdução
O principal efeito da crise de 1929 no Brasil foi a derrocada brutal do preço do café, incorrendo em grande crise na economia do país que obrigou o então recém empossado governo Vargas, a reagir de forma a, (1) comprar estoques excedente e assim impedir um tombo maior do produto, e (2) decretar a moratória das dívidas dos produtores de café. Neste momento ficou claro que não era mais possível manter a economia do país dependente de um único produto tão exposto as oscilações do mercado externo, era necessário industrializar, diversificar e proteger a economia brasileira.
Dentro deste contexto nascia o nacional-desenvolvimentismo de Getúlio Vargas, caracterizado por um grande conjunto de políticas e ações não uniformes e divergentes. O nacional-desenvolvimentismo foi responsável por decretar o fim da dependência extrema do Brasil para com o setor cafeeiro e iniciou o processo de modernização da economia brasileira, que lançaria as bases para o rápido crescimento da industrialização do país nas décadas de 1950, 60 e 70.
Este artigo tem como objetivo analisar as ações que formaram por base o nacional-desenvolvimentismo sob a luz da teoria do desenvolvimento gradual de Walt Whitiman Rostow (1960), do primeiro período do governo Varguista, e caracteriza-lo nas duas primeiras etapas do modelo Rostowiano, a saber, á superação da (1) Sociedade Tradicional; o estabelecimento para as das (2) Pré-Condições para o Arranco, propiciando condições para que o país entrasse na etapa (3) Arranco, quando apresentou um crescimento acelerado nas décadas seguintes, ao fim da primeira era Vargas em 1945.
2. Justificativa do Estudo O modelo rostowiano, é também conhecido como modelo de desenvolvimento por etapas, nele Rostow (1956) descreve que o crescimento da sociedade ocorre em movimentos subsequentes até atingir o ponto onde o país consegue atingir o pleno desenvolvimento econômico similar aos das nações mais avançadas. Outros autores já empreenderam estudos visando aplicar o modelo de Rostow ao desenvolvimento do Brasil, compreendendo um período de tempo até maior aqui. Porém o proposto neste trabalho, restringe-se aos dos dois primeiros movimentos do modelo, limitando ao período de desenvolvimento do nacional-desenvolvimentismo Varguista. Assim como prevê o modelo de Rostow, enxergamos neste período de cerca de 15 anos, uma clara divisão das etapas de superação da Sociedade Tradicional, quando o governo em resposta ao colapso econômico decorrente da grande crise de 1929, se sentiu obrigado em um primeiro momento a tentar defender a continuidade do setor cafeeiro, para logo em seguida se render aos fatos, e empreender esforços para diversificar e modernizar a estrutura econômica/ social do Brasil, passando então para a criação das pré-condições para o Arranque. Em meados da década de 1930, o país então passava experimentar os primeiros anos de grande expansão econômica, que viriam a acelerar nos anos de milagre econômico.
3. Sociedade Tradicional Na sociedade tradicional a economia é formada por ao menos 75% pela agricultura, a baixa produtividade impera em decorrência da não adoção e massificação de uso dos processos tecnológicos Devido a esta falta de familiaridade com as inovações tecnológicas, que Rostow chamou de “situação pré-newtoniana”, obriga a sociedade tradicional a concentrar seus recursos escassos em poucos produtos agrícolas.
Nesta etapa do desenvolvimento Rostow, questiona o que poderia fazer a sociedade tradicional a empreender esforços para superar seu atraso, e que estrutura política, social e econômica ira se configurar no final deste processo. Um fator importante é que na sociedade tradicional existe uma tendência a estratificação social em clãs familiares, que apresenta propensão ao “fatalismo”, ou seja, reprodução no longo prazo das mesmas oportunidades e estruturas para os descendentes resultando em imobilismo social. Era está a situação do Brasil no final da década de 1920, agrário e com uma pauta de produção em larga escala de praticamente limitada a um único produto.
Anteriormente no âmbito externo o governo brasileiro na primeira República havia alterado de modo significativo sua política externa apostando em uma grande aproximação com os EUA. Desta forma no início da grande depressão, o café representava quase 71% do total exportado pelo Brasil, sendo que o mercado americano absorvia 71% desta quantidade (BAER, 1996, p.50).
Assim os efeitos foram devastadores da depressão pós-Crash 1929, quando as exportações caíram a um patamar de 15 milhões de sacas em 1927 para 9 milhões em 1931, obrigando o recém empossado governo Vargas, a lançar mão de mecanismos de ajustes econômicos de forma a primeiro conter os danos a economia brasileira, e depois a mitigar dependência do país da produção cafeeira.
Era evidente a necessidade de se iniciar o processo de industrialização do Brasil, e Vargas já expressava está urgência ao dizer em 1931 que “Aquela expressão – ‘país essencialmente agrário’, de uso corrente para caracterizar a economia brasileira, mostra em boa tarde, a responsabilidade de nosso atraso” (VARGAS, 1938 – Apud Fonseca 1987, p. 266).
Getúlio Vargas compreendia importância de iniciar o processo de industrialização, porém assim como todos os demais governos latino-americanos, não possuía um plano claro para que atingir este objetivo. Suas ações não estavam encadeadas em um erário uniforme, tanto que muitos políticos da época divergiam em categorizá-lo como nacionalista, quase xenófobo a investimentos estrangeiros, quanto como entreguista das divisas do país ao capital externo (BARROS, 2007).
As primeiras medidas Vargas tiveram como foco ações internas que pareciam visar manter estrutura sociedade tradicional, criou o Conselho Nacional do Café, órgão federal que passaria a coordenar as políticas de produção e adequá-la a demanda mundial, retirando esta prerrogativa que antes era do Estado de São Paulo. Assim como implementar, com recursos obtidos no exterior, a compra e destruição de sacas de café para conter a derrocada dos preços, e queda dos rendimentos dos produtores. No início da crise, o governo tomou empréstimos junto a quatro bancários internacionais totalizando 20 milhões de libras esterlinas, que foram destinas a aquisição de 3.100.000 de sacas, e ao refinanciamento de 13,5 milhões de outras sacas (MELLO, 1991).
Dessa forma, a aventura da conversibilidade do final dos anos 20, a qual em última estância era um subproduto da política de defesa do café – serviu apenas para facilitar a fuga de capitais. (...) A produção, que se encontrava em altos níveis, a teria de seguir crescendo, pois os produtores haviam continuado a expandir as plantações até aquele momento. Com efeito, a produção máxima seria alcançada em 1933, ou seja, no ponto mais baixo da depressão como reflexo das grandes plantações de 1927-1928. Por outro lado era totalmente impossível obter crédito no exterior para financiar a retenção de novos estoques, pois o mercado internacional de capitais se encontrava em profunda depressão e o crédito do governo desaparecerá com evaporação das reservas. (FURTADO, 1982, p. 184-186, Formação Econômica do Brasil). Furtado (1963) salientou que a magnitude desta política anticíclica de Vargas, não tivera similar até então, nem nos países desenvolvidos nem no nos países periféricos. Vargas justificou sua opção pela compra e destruição do produto como sendo inevitável diante do efeito da crise (VARGAS, 1931).
“Desta forma, a política de defesa do setor cafeeiro nos anos da grande depressão concretiza-se num verdadeiro programa de fomento da renda nacional. Praticou-se no Brasil inconscientemente, uma política anticíclica de maior amplitude que a que se tenha sequer preconizado em qualquer dos países industrializados” (FURTADO, 1963, P.283).
Economicamente, o país caíra em verdadeiro colapso. A retenção prolongada do café nos reguladores paulistas obstruía literalmente os mercados nacionais, impedido os lavradores de vender, ou sequer, de caucionar o que produziram. Em consequência, cessaram eles os seus pagamentos aos próprios colonos, e, por tal motivo, os comerciantes do interior, privados de receber o que já tinham adiantado, colocaram as atacadistas em dificuldade extremas, que se refletiam, por seu turno nas industriais paralisando o respectivo movimento. A urgência de restabelecer o ritmo de nossa vida econômica determinou a nossa providência de compra dos estoques (apud CORSI, 1997, pp. 38)
Mesmo assim os resultados ficaram bem aquém do esperado, pois além de não satisfazer plenamente a manutenção do preço, exauriu recursos do Estado tornando ainda mais escassas as divisas do país, fazendo rarear tanto a importação como o desenvolvimento da indústria nacional de bens manufaturas. Como resultado da crise, o preço do café em 1933 ficou reduzido a um terço do valor em 1928, aumentando ainda mais os estoques já grandes. TABELA 1 – Derrocada dos Preços do Café 1925 – 1945 (Valor em US$) Ano | Preço | Ano | Preço | 1928 | 21,3 | 1936 | 7,7 | 1929 | 20,4 | 1937 | 8,9 | 1930 | 13,1 | 1938 | 6,9 | 1931 | 10,1 | 1939 | 6,9 | 1932 | 9,1 | 1940 | 6,2 | Fonte: Gremaud, 1997, pg. 121, Formação Econômica do Brasil
Fonseca (2012) apontou que o investimento maciço de recursos estatais no café, apenas prolongou os efeitos da crise, pois resultou no que o autor chamou de “sobreinversão industrial”, que ocorreu quando os recursos destinados valorização do produto, ao invés de serem revertidos no desenvolvimento de outras atividades, acabaram retornando ao setor cafeeiro, inibindo ainda mais a indústria local nascente.
No campo monetário e externo, os resultados após poucos meses do início da crise de 1929, quase a totalidade das divisas em moeda forte foram retiradas do país pela fuga de capitais. Diante deste cenário entre 1930-31 a moeda brasileira fora desvalorizada 55% e o governo Vargas decretou a moratória do pagamento da dívida externa (FURTADO, 1982).
Estava claro que era necessário modernizar as opções tecnológicas do país, o que nos leva a segunda etapa do processo de desenvolvimento de Rostow.
4. Pré-Condições Para o Arranque
Na fase do crescimento o Estado passa por um processo de transição, onde lentamente as estruturas tradicionais são sobrepujadas pela implementação das tecnologias que criarão as condições para o crescimento econômico acelerado, nas palavras de Rostow (1960), trata-se do momento de implementação “dos meios necessários para que possa explorar os frutos da ciência moderna, mitigar os retornos decrescentes, e assim, desfrutar das benções e escolhas abertas pela marcha de desenvolvimento a juros compostos”.
Dissemina-se a ideia de que não só é possível o progresso econômico, mas também que ele é condição indispensável para uma outra finalidade considerada benéfica: seja ela a dignidade nacional, o lucro privado, o bem estar geral, ou uma vida melhor para os filhos. (...). Aparecem novos tipos de homens de empresa - na economia privada, no governo ou em ambos – dispostos a mobilizar economias ou correr riscos visando ao lucro ou á modernização (ROSTOW, 1956, pp. 27)
Neste momento podem surgir choques com componentes da antiga estrutura tradicional, que perdem a premência da prioridade, sendo este um dos mais importantes fatores limitantes a etapa de preparação. Como o exposto, inicialmente as ações de Vargas a frente da crise foi discrepante, primeiro buscou defender a estrutura econômica vigente, para depois apoiar a modernização industrial do país. Nas palavras de Aureliano (1977):
É verdade que não pode identificar, então, intenções industrialistas claras, e nem isso seria possível, na ação de um governo que constitui num quadro de crise política e econômica (...). O que quase todos não compreenderam foi a natureza da política econômica: por que amparasse a cafeicultura, houve quem visse os resultados como simples consequência de sua defesa inevitável; por que acabasse objetivamente favorecendo mais os interesses portadores do futuro, os do capital industrial, e menos os que encarnavam o passado, os do capital mercantil exportador, alguns tratavam de enxerga-la industrializante (Aureliano, 1977)
Ainda no rescaldo da grande depressão, Vargas passou a ter como principal objetivo tornar o Brasil uma “Nação Forte”. Porém esta meta, seu raio de ação era limitado pela realidade do econômica do país altamente, dependente do mercado externo para obtenção de divisas oriundas praticamente de um único produto. Neste contexto a resposta encontrada para criar as condições necessárias para iniciar a industrialização do país passava pela obtenção de capital externo. Após o dispendioso esforço em prosseguir com a política da valorização do café, e consequente desvalorização monetária, o preço dos artigos manufaturados importados inviabilizava o atendimento do mercado interno, que fora agravado pela saída do país do fluxo internacionais de capital, em decorrência da moratória. O “estrangulamento externo”, então contribuía para o início do processo de industrialização do país.
(...) o setor ligado ao mercado interno não poderia aumentar sua capacidade, particularmente no campo industrial, sem importar equipamentos, e que estes se tinham feito mais caros com a depreciação do valor externo da moeda. Entretanto, o fator mais importante na primeira da fase expansão da produção deve ter sido o aproveitamento mais intenso da capacidade instalada do país (Furtado, 1982) Uma das primeiras ações do governo Vargas, fora proteção do mercado interno, proibindo a importação de máquinas e equipamentos dos principais setores, como resultado a produção industrial que havia caído 9% no em 1930, cresceu em uma média de 10% ao ano até 1939. Como fica caro no exposto abaixo, a estratégia de Vargas, não era colocar a economia brasileira em uma estufa. O presidente sabedor da capacidade limitada do Estado em prover o capital necessário ao desenvolvimento, e por isso dependente de recursos externos, não fechou totalmente o mercado nacional, deixando alguns setores competirem com empresas de fora.
“No terreno da tributação aduaneira enveredamos por um caminho franco e desatinado de protecionismo. Temos certamente numerosas industrias nacionais que merecem amparo, mas temos também, numerosas industriais artificiais, sem condições de resistência própria. O protecionismo, tal como se praticava favorecia a todas, institivamente” (apud. Fonseca, 1987). Vargas, já em 1937, na segunda moratória da dívida, condicionava de maneira radical, que a industrialização do país estava atrelada a continuidade do não pagamento da dívida externa, pois o seu pagamento representava um “fardo intolerável” que impedia o desenvolvimento da nação.
A situação impõe [...] a suspensão do pagamento de juros e amortizações, até que seja possível reajustar os compromissos sem dessangrar e empobrecer o nosso organismo econômico. Não podemos por mais tempo continuar a solver dívidas antigas pelo ruinoso processo de contrair outras mais vultosas, o que nos levaria, dentro de pouco tempo, à dura contingência de adotar solução mais radical [...]. As nossas disponibilidades no estrangeiro, absorvidas na sua totalidade pelo serviço da dívida e não bastando, ainda assim, às suas exigências, dão em resultado nada nosso sobrar para a renovação do aparelhamento econômico, do qual depende todo o progresso nacional. 5- Conclusão Ao longo da primeira década de seu governo, Getúlio Vargas enfrentou a crise de 1929 aprofundando a política de valorização do café, na tentativa de reerguer a economia brasileira sob as mesmas estruturas que caracterizavam a sociedade tradicional do país a época. Como a respostas ficou muito aquém, e ainda assim exauriu ainda mais a capacidade fiscal do Estado, em um segundo momento, criou ações que caracterizou o nascente nacional-desenvolvimentismo, revertendo recursos do setor cafeeiro, para a nascente indústria nacional, decretando moratória do serviço da dívida em duas ocasiões, e por final promovendo o protecionismo dos principais setores da indústria de transformação. A tabela 2 demonstra o crescimento contínuo indústria de transformação resultante das políticas implementadas pelo governo Vargas, na década 1930. Estas ações, juntamente com a criação de empresas estatais, o investimento maciço do Estado na economia e fortalecimento dos bancos oficiais. Neste contexto, podemos ver que o governo Vargas, fora responsável por fazer o país ultrapassar a movimento de Sociedade Tradicional do modelo de Rostow, e adentrar a etapa de Preparação para o Arranco, que viria então a se materializar nas décadas de milagre econômico.
TABELA 2 – Índices de Produção Industrial – Industria de Transformação – (Base 1939 -100%) Setores | 1929 | 1930 | 1931 | 1932 | 1933 | 1934 | 1935 | 1936 | 1937 | 1938 | | Têxtil | 33,9 | 32,6 | 40,9 | 42,3 | 47,3 | 53,3 | 63,8 | 75,4 | 81,5 | 86,0 | | Química | 60,3 | 42,6 | 42,2 | 49,4 | 48,5 | 54,8 | 64,8 | 92,0 | 93,3 | 103,6 | | Papel | 29,5 | 21,4 | 27,7 | 25,0 | 30,3 | 50,9 | 67,9 | 76,8 | 92,0 | 95,5 | | Mobiliário | 28,0 | 20,5 | 23,4 | 23,4 | 24,3 | 29,9 | 31,8 | 38,5 | 90,7 | 103,7 | | Cimentos | 13,8 | 12,5 | 23,9 | 21,4 | 32,4 | 46,4 | 52,4 | 69,5 | 81,8 | 88,5 | | Siderúrgico | 26,0 | 22,6 | 18,9 | 27,1 | 40,4 | 47,5 | 50,2 | 60,0 | 67,0 | 81,6 | | Pneu | --- | 1,0 | 2,0 | 5,0 | 8,0 | 11,0 | 17,0 | 42,0 | 55,0 | 65,0 | | Gráfico | 53,8 | 49,8 | 50,5 | 51,2 | 57,3 | 63,8 | 71,4 | 84,1 | 88,3 | 91,1 | |
Fonte: Adaptado de IBGE 1990, Estatísticas Históricas do Brasil
7. Bibliografia AURELIANO, L. (1981). No limiar da industrialização. São Paulo: Brasiliense, 1981. BAER, M. (1989). A dívida externa brasileira: estratégias de negociação e impactos internos (1983-1987). In: PEREIRA, Luiz Bresser (Org.). Dívida Externa: crise e soluções. São Paulo: Brasiliense, p. 184-218 CORSI, F. L. (1997). Estado Novo: Política externa e projeto nacional. São Paulo: Unesp FURTADO, (1982), Formação Econômica do Brasil: Cia. Ed. Nacional, São Paulo, p. 184-186 FURTADO, C. (1959) Formação Econômica do Brasil, São Paulo: Cia. Ed. Nacional FONSECA, P. D. (1987). Vargas: O Capitalismo em Construção. São Paulo: Brasiliense MELLO, A. A. (1991) O Apogeu e declínio do presidencialismo. Rio de Janeiro: J. Olympio OBSTFELD, M. and R., K. (1996). Foundations of International Economics. MIT Press ROSTOW, W. (1956). The Take-Off Into Sustanained Growth, Economic Journal, 66:261 28-48 ROSTOW, W. (1960) The Stages of Economic Growth, The Economic History Review, 12:1-16 ROSTOW, W. (1961) The Stages of Economic Growth: A non-Communist Manifesto, Cambridge: Cambridge University Press