Introdução Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da cadeira de recursos humanos do 4º ano do mestrado integrado em Engenharia e Gestão Industrial, e visa abordar um novo tipo de indústria que surgiu nos últimos anos e que tem vindo a crescer exponencialmente: a indústria do impact sourcing. Com a missão de diminuir a pobreza no mundo, as organizações, normalmente sem fins lucrativos, que atuam nesta indústria são uma espécie de intermediárias responsáveis por angariar e canalizar trabalho para os seus centros espalhado por todo o mundo em zonas de extrema pobreza, onde empregam habitantes locais. No trabalho é também apresentado e analisado um caso de sucesso de uma organização sem fins lucrativos (Samasource) que atua nesta área.
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Impact Sourcing A indústria Impact sourcing Expondo de um forma simples, Impact sourcing é fazer outsourcing de serviços, normalmente tecnológicos, com o intuito de ter impacto social e desenvolver a economia em zonas onde a pobreza ataca. Ou seja, criar trabalho produtivo, reconhecido e motivador para pessoas que, apesar de competentes, se encontram numa situação desfavorável para conseguir obter um emprego. Esta indústria encontra-‐se num estado de forte crescimento e tem cada vez mais impacto no mundo subdesenvolvido. Estudos revelam que o mercado potencial para a indústria do impact sourcing era de 4,5 mil milhões de dólares em 2010 e que irá crescer para 20 mil milhões de dólares em 2015 [1]. A acompanhar o mercado potencial está também a empregabilidade gerada pelo impact sourcing, que no mesmo período irá crescer de 144 mil para 780 mil pessoas.
Microwork Para perceber bem o modo de funcionamento das organizações que operam nesta indústria convém ter noção do conceito de microwork. Microwork são pequenas, normalmente simples, parcelas de um único projeto grande. Este processo de dividir grandes projetos em simples e pequenas tarefas apareceu com a necessidade que a indústria do impact sourcing tinha de conseguir ter trabalho passível de ser feito pelos trabalhadores em desvantagem no submundo. Para além disso, o facto de ter um trabalho grande bem segmentado, ou seja transformado em microwork, facilita todo o processo de outsourcing. Há algumas parecenças entre a indústria do mircowork e do microcrédito (microfinancing), pois são ambas uma réplica de catividades do mundo desenvolvido, em escalas muito menores e com a motivação de diminuir a pobreza no mundo em vez do tradicional objetivo de gerar lucro, que as entidades (individuais ou não) normalmente têm. Portanto, normalmente o papel das organizações sem fins lucrativos que atuam nesta indústria, passa não só por angariar clientes, como processar os trabalho encomendados por estes, para que seja dividido em tarefas simples e possa ser canalizado para os centros de microwork espalhados por todo mundo onde o trabalho é executado por habitantes locais. Com isto, ganha o cliente que consegue obter serviços a preços mais baratos (à volta de 30% mais baratos) e ganham os trabalhadores das zonas pobres, pois para além de terem trabalho e de receberem um ordenado bem acima da média da região ainda ganham competências que lhes serão úteis a longo prazo. Como se poderá constatar mais à frente, para que a rede de centros de microwork destas organizações esteja bem montada e funcione de uma forma
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eficiente e com os objetivos desejados é necessário ter uma estratégia muito bem elaborada e uma forte gestão no dia-‐a-‐dia dos centros, com principal enfoque na formação e no treino dos seus colaboradores. Exemplos de empresas a atuarem na indústria do impact sourcing são: • Digital Divide Data: começou em 2001 as suas operações no Camboja e depois expandiu-‐se para Laos e Quénia. • DesiCreq: atua na India foi criada no Institute of technology Madras. • RuralShores: também presente na India e espera vir a ter 500 centros, virtualmente conectados por toda a Índia. Todas estas organizações têm a ambição comum de proporcionar uma vida melhor aos trabalhadores mais vulneráveis no mundo.
Dificuldades da indústria Contudo, o impact sourcing tem também obstáculos e dificuldades com que tem que lidar. A primeira é o facto de que apesar da ideia de estar a ter um impacto social ser apelativa, grande parte das empresas ainda escolhe o prestador de serviços pelo preço e não baseadas no impacto social que a sua escolha irá ter. A segunda tem que ver com o investimento inicial que é preciso fazer num negócio destes. Para poder ser eficiente, o modelo de negócio exige plataformas tecnológicas demasiado caras. Por último, há o grande problema de que o trabalho que é facilmente estruturado e canalizado para ser feito em outsourcing, normalmente é tecnológico e digital. E nem sempre as pessoas em dificuldade, às quais é suposto dar trabalho, têm as competências e experiência suficiente para executarem este tipo de trabalho.
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Samasource Samasource é o nome da organização que mais tem tido sucesso na indústria do impact sourcing nos U.S.A. Esta organização sem fins lucrativos foi fundada em 2008 pela atual C.E.O Leila Janah, uma americana de origens ghanianas licenciada e doutorada em Harvard em estudos do desenvolvimento de África. [6] Sama significa igual em sânscrito, o que por si só já transmite o facto de esta organização ter a convicção de que toda a gente é igual e que qualquer pessoa que tenha a vontade necessária consegue acabar uma tarefa que lhe seja atribuída. E este principia aliado à ambição de querer diminuir a pobreza no mundo, desenvolvendo as economias dos locais com pobreza extrema, fez com que esta organização conseguisse criar com sucesso uma das maiores redes de centros de microwork espalhados por todo o mundo através de um modelo de negócio que tem vindo a provar a sua eficácia.
Figura 1 -‐ Fluxo de trabalho da empresa Samasource
A Samasource é um intermediário entre os trabalhadores do submundo e os clientes, pois angaria contratos de prestação de serviços digitais para empresas grandes do U.S.A e da Europa (LinedIn, Google, etc) transforma estes serviços em microwork e manda-‐o para os seus centros localizados em regiões pobres, onde os trabalhadores executam as tarefas. Este negócio é um tipo de negócio "win-‐win", em que ganha o cliente e ganha o fornecedor, neste caso o prestador dos serviços. (figura.1) Os serviços prestados pela samasource são normalmente serviços digitais como assistência em pesquisas, apoio ao cliente virtual, tratamento de imagens,
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verificação de características de produtos em sites de retalho online, verificação de dados, teste de aplicações e etc. (figura 2)
Figura 2 -‐ Serviços prestados pela Samasource e clientes catuais [4]
A rede de centros abrange já 7 países (Camarões, Uganda, Quénia, Paquistão, Ghana, Índia e Nigéria) e emprega um total de 3454 trabalhadores espalhados por todo o Mundo. Número que tem vindo a crescer todos os anos. Como se pode constatar pela figura 2., a Samasource é já responsável pela melhoria da qualidade de vida de 14,161 pessoas contando com os dependentes diretos dos trabalhadores dos centros de microwork.
Figura 3 -‐ Número de trabalhadores e dependentes da Samasource [2]
Figura 4 -‐ Mapa da localização dos centros de microwork [2]
Modelo de negócio
Na raiz do sucesso desta empresa está um modelo de negócio assente em 5 pontos cruciais que serão de seguida abordados. Modelo de financiamento O primeiro desafio da Samasource foi conseguir obter financiamento para montar uma rede de escritórios por todo o mundo, em que conseguisse oferecer aos colaboradores as infraestruturas necessárias (computadores, ligação à internet e
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etc.) e a formação adequado para que estes estejam aptos a executar as tarefas que lhes serão atribuídas. Para contornar este obstáculo, a estratégia que a Samasource adotou foi simples e genial. Fez acordos com entrepeneurs locais que estivessem interessados em ter um escritório franqueado da Samasource. Estes acordos estabeleciam que a Samasource garantia a angariação de clientes e apoio numa primeira fase de iniciação do escritório e a implementação de um conjunto de processos standard (contratação, formação e etc.) que são iguais em todos os seus centros. O processo de escolha dos entrepeneurs certos para estarem à frente dos centros franqueados é crucial, pois como a história tem vindo a confirmar, os projetos ligados ao desenvolvimento de economias pobres, quando conduzidos com o único objetivo de fazer lucro costumam falhar. Portanto, na escolha dos entrepeneurs que iriam gerir os centros de microwork foi adotada uma filosofia pull em vez da habitual filosofia push utilizada para angariar os investidores. Em vez de ser a Samasource a ir ter com os investidores, esta apenas se limitou a apresentar o seu projeto nos locais onde gostaria de abrir um novo escritório e esperou que fossem os próprios entrepeneurs a virem ter com eles a demonstrar interesse no modelo de negócio. Para além disso a Samasource tenta também garantir que os entrepeneurs locais partilham o espírito de missão de reduzir a pobreza no mundo, para que toda a organização esteja alinhada em volta da mesma estratégia para atingir os mesmos objetivos. Boa preparação dos projetos Outro dos fatores chave para o sucesso da empresa é a boa preparação dos projetos que irão ser desenvolvidos em centros de microwork. Para conseguir vender os serviços prestados pelos centros de microwork, a Samasource dá apoio aos clientes na melhoria e no ajustamento de alguns dos seus processos para que os clientes possam retirar o maior partido possível dos serviços prestados pelos centros espalhados por todo o mundo. Antes de lançar um projeto a desenvolver para os escritórios espalhados pelo mundo, a Samasource faz um pequeno projeto piloto onde treina os colaboradores para o projeto principal. Este projeto pilote é também aproveitado para identificar serviços complementares que possam ser vendidos ao cliente. O que faz com que este projeto-‐piloto seja um processo de win-‐win, pois ganha a Samasource e ganha o cliente. Boa gestão dos recursos humanos Também a gestão eficaz e a proximidade com as pessoas é essencial no sucesso da Samasource, pois leva por exemplo a bem as diferentes competências dos diversos centros que tem ao dispor por todo o mundo. Por exemplo, o centro do Uganda, país com uma tradição na área das cerâmicas, do artesanato e em poesia, tem grandes competências para trabalhar com tarefas
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criativas e que envolvam escrita. Por outro lado os centros situados na India têm mais facilidade em trabalhar com tarefas mais lógicas e menos criativas. Tendo uma boa noção dos diferentes tipos de competências de cada centro, a Samasource pode canalizar os projetos para o centro mais indicado conseguindo uma maior eficiência nos processos de execução dos trabalho e motivação por parte dos seus trabalhadores. Para além disso tem que haver uma gestão especial com enfoque nas pessoas, pois os colaboradores dos centros são pessoas que precisam de ser geridas de uma forma muito particular que muitas vezes nada tem a ver com a gestão que é feita numa empresa normal de um país desenvolvido. Isto porque, apesar de todos saberem escrever e ler inglês, a maior parte deles não tem qualquer tipo de experiência em trabalho de escritório, o que leva a que muitas vezes os responsáveis pelos centros se confrontem com situações particulares que necessitam de respostas também elas diferentes. Por exemplo, após uma análise a um dos centros foi descoberto que as políticas de higiene do centro faziam com que os trabalhadores chegassem constantemente atrasadas ao local de trabalho. Isto porque estas políticas obrigavam os trabalhadores a tomar banho antes de irem para o escritório. O problema é que o lago onde estes tomavam banho é muito frio no princípio da manhã. Portanto o que os trabalhadores faziam era esperar que este ficasse mais quente para que conseguissem tomar banho, levando-‐os a chegar atrasados ao escritório. Tendo percebido o problema, rapidamente foi implementada uma solução simples: atrasar o horário de trabalho. Plataforma tecnológica -‐ Samahub Rapidamente, a Samasource percebeu que para este modelo de negócio ter sucesso era essencial ter uma plataforma tecnológica feita à sua medida. Começaram portanto por desenvolver a sua própria plataforma, chamada SamaHub. Através desta plataforma foi possível automatizar e melhorar muitos dos processos da empresa, assim como acompanhar e dar apoio aos trabalhadores longínquos nos projetos que estão a desenvolver Devido à restrição de capital pela qual a Samasource está limitada, esta foi obrigada a desenvolver formas baratas de treinar os seus colaboradores. Aqui a Samahub foi crucial, pois é a partir dela que a casa-‐mãe consegue treinar os seus colaboradores através de vídeos com exemplos de execução das tarefas que os trabalhadores terão que desempenhar e vídeos com formação específica para cada projeto. Formar os colaboradores através da plataforma é uma solução ideal, pois para além de ser eficiente em termos de custo, permite também perceber se estes estão prontos para integrar um certo tipo de projeto ou não, testando-‐os com testes tipo que são realizados no fim das etapas das formações.
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Por exemplo, para atribuir trabalhos aos colaboradores a plataforma faz-‐lhes perguntas simples (pedir o URL de um site, definir um produto, etc.) e em função da qualidade das respostas de cada colaborador, ela atribuí-‐lhe um trabalho mais ou menos fácil. Para além de ser uma boa base para o processo de treino dos colaboradores a plataforma tecnológica é também um instrumento bom para análise de desempenho dos trabalhadores nos projetos, pois permite perceber quais é que estão a ter maior evolução (através da percentagem de erros de rapidez de execução das tarefas), quais é que são mais eficientes e em que área de trabalho é que cada colaborador tem mais ou menos facilidade de execução. Em paralelo a Samasource está ainda a desenvolver uma plataforma (Samaschool) para ser utilizada pelos colaboradores no seu tempo livre. Esta plataforma permite aos colaboradores ganharem competências noutras áreas específicas, tais como línguas estrangeiras, competências tecnológicas específicas e etc. E quanto mais destas competências os colaboradores tiverem mais serão os trabalhos para os quais estes poderão ser escolhidos. O que faz com que aumente o interesse dos colaboradores em utilizarem a Samaschool. Métricas Também as métricas por quais a organização se guia são essenciais, pois permite à empresa medir quão bem estão a ser alcançados os objetivos e a missão a que se propôs quando foi fundada.
Assim, tendo como objetivo ser uma organização com dimensão suficiente para ter um grande impacto no impact sourcing e reduzir a pobreza as principais métricas para empresa são: • • • •
Figura 4 -‐ Evolução das receitas totais dos centros de microwork e dos salários totais dos trabalhadores [3]
Receitas totais em dólares (figura 4) Lucro e percentagem desse reinvestido Evolução dos salários dos trabalhadores (figura 4) Número de colaboradores
Enquanto na sede dos U.S.A os gestores de topo da organização controlam estas métricas de forma a cumprirem os objetivos, aos gestores dos centros 11
interessam-‐lhes outro tipo de métricas, pois estão num nível mais operacional, onde não lhes interessa ter uma noção tão abrangente da organização, mas sim uma perceção do desempenho do seu centro. Para estes últimos a plataforma tecnológica Samahub fornece métricas como: • • • • Tempo por tarefa por trabalhador Taxe de sucesso por trabalhador Produtividade por hora Percentagem do projeto completado por cliente
Ao ter as métricas bem definidas a Samasource consegue dar respostas imediatas a problemas ou ineficiências que apareçam.
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Conclusão Com a globalização e com a grande capacidade tecnológica instalada em todo mundo, em grande parte devido ao boom das "dot-‐com", o mundo está cada vez mais "pequeno", pois as barreiras da distância foram diminuídas ou até em alguns casos totalmente eliminadas. Isto faz com que milhares de novos habitantes terrestres possam ser incluídos na cadeia de abastecimento mundial. Desta transformação têm a ganhar os países desenvolvidos, pois podem focar a sua população ativa em trabalhos mais qualificados e de maior valor acrescentado, fazendo outsourcing dos trabalhos de menor valor acrescentado para outros países. Ganham também os países pobres, pois desenvolvem as suas economias, assim como ganham também os consumidores finais que vão obter serviços e produtos mais baratos. Para além do benefício destes 3 grupos, a economia mundial só tem também a ganhar com esta evolução, pois cresce a procura agregada assim como os cidadãos ativos em todo o mundo. Neste cenário o impact sourcing aparece com uma nova forma de solidariedade em que em vez de do solidário "dar o peixe" aos habitantes dos locais pobres do mundo e em dificuldade, "ensina-‐os a pescar". Este novo tipo de solidariedade faz todo sentido, pois para além de fornecer recursos para que estas pessoas possam ter uma vida digna, permite-‐lhes ainda ganhar competências úteis para o longo prazo. Ou seja, o impact sourcing é um tipo de solidariedade produtiva, em que semeia competências num local, para que mais tarde toda a economia desse local possa crescer e assim melhorar a vida dos seus habitantes. No entanto, esta indústria não se rege pelos lucros, mas sim pelo impacto social que consegue induzir. Isto levanta alguns problemas como por exemplo o facto de existir muita desconfiança das eficiências de organizações que não são movidas pelo lucro. Portanto, o maior desafio para esta indústria será encontrar um modelo de negócio que se guie não só por objetivos de carácter solidário que permitam à organização ter um impacto social e que atue defendendo os interesses dos mais pobres, mas que ao mesmo tempo e sem interferir nestes objetivos, se guie também por objetivos financeiros de forma a alcançar a eficiência que só com estes é possível alcançar. Outro dos grandes desafios para esta indústria será conseguir dar formação eficaz a baixo custo a estes trabalhadores da base da pirâmide, para que cada vez seja maior a proporção destes trabalhadores a ter a competência para executar os trabalhos que serão encomendados pelas empresas dos países desenvolvidos.
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Aqui a Samasource tem tido sucesso, pois como já atrás foi relatado, a formação dos seus colaboradores através da plataforma tecnológica desenvolvida internamente tem sido um dos fatores de sucesso da organização.
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Referências Bibliográficas [1] "Impact sourcing: An Emerging Path to Sustainable Job Creation?" -‐ Rockefeller Foundation [2] www.samasource.org [3] http://www.slideshare.net/leila_c/samasource-‐q42012impactreport [4] http://hbr.org/2012/12/the-‐microwork-‐solution/ar/1 [5] http://en.wikipedia.org/wiki/Samasource [6] http://en.wikipedia.org/wiki/Leila_Janah