O período a que este excerto se refere é o do Monismo Jurídico, tratando-se do segundo momento na periodificação adotada da História do Direito Português, tendo este a sua génese, em consonância com a tese dos Professores Ruy e Martim de Albuquerque, em 1415. Esta divisão é fundada num critério misto que combina fatores etnicopolíticos, políticos e jurídicos, permitindo concluir pela existência de uma alteração de paradigma resultante da Conquista de Ceuta, desembocando este acontecimento na maior consolidação da ideia de Estado, e a sua influência na predominância do direito positivo régio em relação às demais fontes de Direito.
Esta transição de um período em que vigorava uma pluralidade de fontes de direito (D. Canónico, D. Visigótico, D. Romano, etc…) para o Monismo (do grego μόνος - mónos, "sozinho, único"), em que se tende para a supremacia da lei enquanto fonte de Direito, não foi imediata, correspondendo a um longo período em que o monarca, nomeadamente D. Afonso II (a partir de 1211 com a Cúria de Coimbra) foi assumindo as vestes de legislador habitual, em crescentes tentativas de afirmação da Lei Régia enquanto “regra obrigatória imposta pela vontade do superior”, e de controlo das demais fontes (como o beneplácito régio).
Saliente-se que, devido à quantidade crescente de leis avulsas, torna-se necessário proceder à organização das mesmas, surgindo as Ordenações do Reino. Estas traduzem a consciência política da necessidade de existir um depositório de normas para reger a vida das pessoas, destinada principalmente aos órgãos aplicadores de direito: os tribunais. Nas Ordenações Afonsinas, de 1446, surge como afirmação perentória de que “onde a lei do Reino dispõe, cessam todas as outras leis e Direitos”, frase essa que é repetida e reforçada nas posteriores Ordenações Manuelinas e Filipinas. Também é frequente depararmo-nos com várias referências ao “costume antigamente usado no reino” e ao “bom costume”, evidenciando a submissão não só do Direito Subsidiário, como também de fontes principais do Direito (o costume) à “vontade do superior”.
As correntes filosóficas da época, nomeadamente os Usus Modernus Pantectarum (séc. XVII), ao promoverem uma interpretação atualista do Direito Romano (que era largamente aplicado pelos tribunais), levavam à exclusão de diversas normas que já não encontravam aplicabilidade no presente, o que reduzia os conflitos entre normas subsidiárias desatualizadas e a lei, reforçando a supremacia desta no âmbito das fontes do Direito.
Ainda num plano da produção legal, em 1769, com a Lei da Boa-Razão, o monarca admite que nos tribunais, não raras vezes era aplicado direito subsidiário em situações de conflito do mesmo com o direito régio, facto relativamente ao qual esta lei estabelece uma crítica feroz, verificando-se uma redução da aplicabilidade das fontes de direito que não o régio. Esta lei chega mesmo a revogar tacitamente uma parte específica das Ordenações Filipinas relativa ao uso do direito canónico em matérias temporais, passando a ser só aplicável nos tribunais eclesiásticos, o que apenas foi possível devido à centralização do poder político e a existência de legislação específica régia acerca das mesmas matérias.
Face ao exposto, é possível concluir no sentido movimento de ascese da lei, por via da razão enquanto direito natural profano, que culmina na sua supremacia em relação a todas as outras fontes de direito, passando estas a carregar consigo o cunho indelével do poder soberano.