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Pobreza Em Sua Xícara

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Words 29411
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POBREZA EM SUA XÍCARA

O que há por trás da crise do café

Agradecimentos
Este relatório foi escrito por Charis Gresser e Sophia Tickell. As autoras gostariam de agradecer a todo o pessoal da Oxfam, aos parceiros e especialistas do setor que ajudaram nessa produção. Particularmente, elas gostariam de reconhecer as contribuições oferecidas pelas seguintes pessoas: Abera Tola, Albert Tucker, Alex Renton, Ana Eugenia Marin, Andrew Ray, Antonio Castro, Bert Beekman, Celine Charveriat, Chad Dobson, Christopher Gilbert, Colin Roche, Constantino Casasbuenas, Dang Kim Son, Dereje Wordofa, Diana Gibson, Duncan Green, Geneviève Deboeck, Geoff Sayer, Gezahegn Kebede, Hoang Xuan Thanh, Ian Breminer, Izzy Birch, Jeff Atkinson, John Burstein, John Crabtree, John Schluter, Jon Jacoby, Jörn Kalinski, José Geronimo Brumatti, Karen St Jean-Kufuor, Khamlouang Keoka, Liam Brody, Luuk Zonneveld, Marita Hutjes, Martin Khor, Max Lawson, Michael Oyat, Mick Wheeler, Monica Naggaga, Pablo Dubois e Néstor Osorio e os colegas da Organização Internacional do Café, Patrick Knight, Pauline Tiffen, Peter Baker, Phil Bloomer, Rainer Quitzow, Robert Simmons, Ruth Mayne, Siddo Deva, Simon Ticehurst, Steve Thorne, Tatiana Lara, Than Thi Thien Huong, Tran My Hanh, Wendel Trio,Xavier Declercq, O texto foi editado por Kate Raworth e David Wilson e o projeto gráfico é de Barney Haward. A produção deste relatório para o português foi coordenada pelo escritório da Oxfam no Brasil. A tradução foi realizada por Master Language, a revisão por Tereza Moreira e a edição por Luiz Daré. Algumas das pesquisas contidas neste relatório foram produzidas com a assistência financeira da Comissão da Comunidade Européia. As opiniões expressadas no relatório são dos autores e, como tal, não representam o ponto de vista oficial da Comissão.

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No Brasil, para maiores informações sobre a campanha entre em contato com o escritório da Oxfam em Brasília: SCS Q.08 – Bloco B 50 – Salas 403/405 – Edifício Venâncio 2000 70333-970 – Brasília – DF Fone/Fax: (61) 225-2979 E-mail: kmaia@oxfam.org.br ou recife@oxfam.org.br

Índice
Agradecimentos Resumo 1. A crise do café
Crise? Que Crise ? Da prosperidade à bancarrota… A devastação de comunidades e países produtores de café Famílias que passam fome Crianças forçadas a abandonar a escola Assistência médica prejudicada Trabalhadores sazonais empobrecidos A crescente atração pelo cultivo de drogas Crises financeiras para economias nacionais Falta de opções para substituir o café por outras culturas comerciais A dependência de commodities com preços em baixa… Muito pouco valor é captado Metas de desenvolvimento rural não alcançadas Regulação inadequada 9 Organizações de produtores e trabalhadores sob ataque Escassez de informações Treinamento e apoio insuficientes Empréstimos pendentes, novos créditos indisponíveis Infra-estrutura rural inadequada Ajuda cada vez menos disponível e adoção de duplos padrões: produtores traídos pelos doadores

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2. As raízes da crise
Reestruturação do mercado: de administrado a superabastecido O colapso do mercado administrado Os gigantes: Brasil e Vietnã Demanda vagarosa Desequilíbrios de poder no mercado: produtores sem dinheiro, torrefadoras com grandes lucros Para onde estão indo todos os lucros? Rastreando a cadeia de valor... O poder das torrefadoras: lucros estratosféricos em meio à crise • O poder das marcas • Controle de custos • Combinações de diferentes tipos de café: misturas flexíveis • Mercados de futuro: financiamentos flexíveis Novas tecnologias e técnicas: qualidade afetada Novas tecnologias adotadas pelas torrefadoras: extraindo, até a última gota, tudo que o grão do café pode oferecer Abundância de robusta, escassez de arábica… Técnicas agrícolas intensivas reduzem a qualidade e degradam o solo Sem alternativas: commodities em baixa e fracasso do desenvolvimento rural

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3. O mercado dos cafés especiais – uma alternativa interessante? Não para todos...
O Comércio Justo: um raio de esperança As marcas de cafés especiais estão captando um alto valor

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Correndo para a mesma saída? Não há justificativa para a inércia

4. Saindo da crise: uma estratégia de ação
Restauração do equilíbrio entre oferta e demanda Restauração da qualidade e aumento da produtividade Preços mais altos, revitalização de meios de vida Manutenção e desenvolvimento da capacidade de agregar valor Estabelecimento de alternativas efetivas para o desenvolvimento rural 28 Conclusão Recomendações: Um Plano de Resgate para o Café

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Notas Pesquisas O trabalho da Oxfam com produtores de café Informações para contatos com a Oxfam Internacional
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Resumo
Uma crise está destruindo os meios de vida de 25 milhões de produtores de café em todo o mundo. O preço do café sofreu queda de quase 50% nesses três anos, atingindo o nível mais baixo dos últimos 30 anos. As perspectivas de longo prazo parecem sombrias. Os cafeicultores dos países em desenvolvimento, em sua maioria pequenos proprietários pobres, estão sendo forçados a vender o café em grãos a preços muito inferiores aos custos que tiveram para produzi-lo. Na província de Daklak, no Vietnã, por exemplo, os preços cobrem apenas 60% dos custos de produção. Os produtores amargam grandes prejuízos enquanto os preços dos cafés de marca garantem enormes lucros. A crise do café tornou-se um desastre para o desenvolvimento e seus impactos serão sentidos por muito tempo. As famílias que dependem da renda gerada pelo café são forçadas a tirar seus filhos, principalmente suas filhas, da escola. Elas não têm mais recursos para comprar medicamentos básicos e estão reduzindo o consumo de alimentos. Além das famílias cafeicultoras, as empresas que compram o produto para revendê-lo às torrefadoras também estão falindo. Economias nacionais estão sofrendo e alguns bancos estão em situação crítica. Os fundos governamentais esgotam-se, pressionam os setores de saúde e educação e forçam os governos a ficar mais endividados. A escala da solução deve ser proporcional à escala da crise. Um Plano de Resgate para o Café, que reúna todos os atores envolvidos no comércio do produto, faz-se necessário para que esse mercado beneficie a pobres e ricos. O plano envolve mais do que o café. Trata-se de um elemento-chave no desafio global de tornar o comércio mais justo. O mercado do café vai mal. Vai mal para os produtores que o cultivam em pequenas propriedades rurais familiares e costumavam ter uma boa renda com o produto. Vai mal para exportadores e empresários locais, que estão falindo por causa da violenta concorrência internacional. E vai mal para governos que estimularam a produção de café, visando aumentar suas receitas de exportação. Há uma década, as exportações dos países produtores captavam um terço do valor de mercado do café. Atualmente, conseguem menos de 10% desse valor. Nos últimos cinco anos, as divisas com exportações de café caíram em US$ 4 bilhões. Para se ter uma idéia do que esse número significa, Honduras, Vietnã e Etiópia pagaram, em 1999 e 2000, US$ 4,7 bilhões com o serviço de suas dívidas. O mercado também ficará ruim para as grandes empresas de processamento de café, que atualmente sabem tão bem transformar grãos verdes em notas verdes. As quatro grandes torrefadoras (Kraft, Nestlé, Procter & Gamble e Sara Lee) têm, cada uma, marcas de café que vendem mais de US$ 1bilhão por ano. Junto com a gigante alemã Tchibo, elas compram quase metade dos grãos de café do mundo. As margens de lucro são altas – a Nestlé teve lucro estimado em 26% com suas vendas de café instantâneo. Os lucros da Sara Lee chegam a cerca de 17% – que é um percentual muito alto se comparado com outras marcas de produtos alimentícios e de bebidas. Se todos os envolvidos na cadeia de abastecimento estivessem se beneficiando, isso não importaria. Na situação atual, no entanto, com os produtores só conseguindo vender o seu café a um preço abaixo dos custos de produção, os negócios de vento em popa das empresas estão sendo pagos por algumas das pessoas mais pobres do mundo. Pagar preços muito baixos – menosprezando as conseqüências para os produtores – é uma estratégia comercial perigosa no longo prazo. Mesmo no curto prazo representa um risco para os interesses comerciais dos produtores de café instantâneo, considerando que essas empresas dependem da reputação que desfrutam junto aos consumidores. O crescimento das vendas no âmbito do movimento do Comércio Justo nos últimos anos mostra que estes se preocupam com a miséria de quem produz os bens que consomem. A indústria do café atravessa um momento de reformulação radical que, para muitos, é extremamente dolorosa. De um mercado administrado, no qual os governos desempenhavam papel ativo em âmbito nacional e internacional, o café adentrou o sistema de livre mercado, do qual qualquer pessoa pode participar e o próprio mercado define o preço do produto. Recentemente, essa mudança garantiu valores muito baixos para as matérias-primas compradas pelas grandes empresas de café. Ao mesmo tempo, o Vietnã entrou no mercado com toda a força e o Brasil aumentou a sua já substancial produção. Conseqüentemente, mais café está sendo produzido e mais café de qualidade inferior comercializado, gerando uma queda de preços catastrófica para os cafeicultores. Atualmente se produz 8% a mais de café do que se consome. Enquanto isso, as empresas não têm feito, com a devida agilidade, uma coisa que uma delas identificou como sua principal responsabilidade na atual crise: gerar demanda para o produto. A atual taxa de crescimento da demanda, de 1% a 1,5% ao ano, é facilmente superada por um aumento superior a 2% na oferta. A despeito de um consumo estagnado, as empresas de café estão com suas contas bancárias abarrotadas. Num ambiente de livre mercado, sua penetração global lhes garante opções sem precedentes. As misturas padronizadas que comercializam atualmente incluem até 20 diferentes tipos de café. Sofisticadas técnicas de gestão de riscos e hedging permitem que as empresas, a um simples clique do mouse do computador, comprem cafés de baixo custo para produzir essas misturas. Na outra extremidade da cadeia produtiva não se desfruta da mesma liberdade. Sem estradas ou meios de transporte para os mercados locais e sem apoio técnico, linhas de crédito ou informações sobre preços, a maioria dos cafeicultores está à mercê de comerciantes itinerantes que oferecem preços em regime de ‘pegar ou largar’. Eles também não dispõem de meios que lhes permitam abandonar a cultura do café e cultivar outros produtos, que seria uma decisão óbvia frente à crise.

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Essa mudança exige recursos que eles não possuem e opções de cultivo capazes de oferecer melhores perspectivas. Para um produtor, abrir mão dos quatro anos gastos esperando que os pés de café comecem a dar frutos é uma estratégia altamente arriscada. O fracasso do mercado deve-se também, em parte, às desastrosas políticas adotadas por instituições internacionais. O Banco Mundial e o FMI estimularam os países pobres a liberalizar o comércio e a optar pelo crescimento baseado nas exportações em suas áreas de “vantagem comparativa”. O problema para muitos países pobres é que, na prática, essa vantagem pode ser muito pequena – como evidenciado pela avalanche de café e de outros produtos primários agrícolas nos mercados globais. Esses países não têm outra opção senão vender matérias-primas que não conseguem de modo algum assegurar o valor agregado a elas quando os produtos finais chegam às prateleiras dos supermercados. Mesmo no livre mercado do café, essas instituições podem ser responsabilizadas por negligência no cumprimento do dever. Elas orientam, como deveriam, os países em desenvolvimento sobre as tendências globais dos produtos primários e seus prováveis impactos nos preços? Que medidas urgentes os governos credores estão tomando para garantir que os esforços empreendidos no sentido de se criar uma dívida mais administrável para os países mais pobres não sejam minados por choques provocados por baixas nos preços de produtos primários? Até agora, os países consumidores ricos e as grandes empresas sediadas neles têm sido indesculpavelmente complacentes com a crise. Diante de uma situação de miséria humana, têm falado muito, mas agido pouco. As soluções baseadas no mercado – o movimento do Comércio Justo e o desenvolvimento de cafés especiais – são importantes, mas somente para alguns produtores. Essas medidas podem ajudar a promover a redução da pobreza e a proteção do meio ambiente. No entanto, faz-se necessária uma solução sistêmica e não isolada, como é a criação de um nicho especial de mercado. O desafio consiste em fazer com que o mercado do café opere a favor de pobres e ricos. Deve-se compreender o fracasso de tentativas anteriores de intervir no mercado e aprender as lições. Mas há também lições que precisam ser aprendidas com base na situação atual. O baixo preço do café cria um mercado de compradores que força algumas das pessoas mais pobres e sem poder de barganha do mundo a negociar num mercado aberto com algumas das pessoas mais ricas e poderosas. O resultado inevitável é que os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres. Para reverter esse quadro, faz-se necessária a participação de todos os atores envolvidos no comércio do café. O ano que vem será crítico. Os governos dos países produtores fizeram um acordo para reduzir a oferta, melhorando a qualidade do café comercializado. Esse plano só vai funcionar se for apoiado pelas empresas e pelos países ricos e se for complementado por medidas contra o subdesenvolvimento rural de longo prazo.

A Oxfam está propondo um Plano de Resgate para o Café que faça com que o mercado para esse produto opere a favor de pobres como vem operando a favor de ricos. O plano precisa reunir os principais atores envolvidos na produção e no comércio do café para que a crise seja superada e se crie um mercado mais estável. Em um ano, o Plano de Resgate, a ser implementado sob os auspícios da Organização Internacional do Café (OIC), deve resultar no seguinte: 1. Empresas torrefadoras pagando um preço decente aos produtores (acima de seus custos de produção) de modo que estes possam educar seus filhos e comprar medicamentos e alimentos em quantidade suficiente. 2. Preços mais altos pagos aos produtores, reduzindo-se a oferta e os estoques de café disponíveis no mercado por meio de: • empresas torrefadoras só comercializando cafés que satisfaçam os padrões básicos de qualidade propostos pela OIC; • destruição de pelo menos cinco milhões de sacas de café como medida imediata, a ser financiada por governos de países ricos e empresas torrefadoras. 3. Criação de um fundo para ajudar produtores pobres a buscarem outros meios de vida, tornando-se menos dependentes do café. 4. Torrefadoras assumindo o compromisso de aumentar a quantidade de café que elas compram no âmbito do movimento do Comércio Justo para 2% de seus volumes. O Plano de Resgate deve ser o piloto de uma Iniciativa de Gestão Gestão de Commodities, de prazo mais longo, destinada a melhorar os preços e proporcionar outros meios de vida para os produtores. Os resultados desse plano seriam os seguintes, entre outros: 1. Estabelecimento de mecanismos, por parte dos governos dos países produtores e consumidores, para corrigir o desequilíbrio entre a oferta e a demanda, visando garantir preços razoáveis para os produtores. Estes devem estar adequadamente representados nesses esquemas. 2. Cooperação entre governos de países produtores para impedir que os mercados aceitem um volume de commodities maior do que pode ser vendido. 3. Apoio aos países produtores para que estes extraiam uma parcela maior do valor de suas commodities. 4. Incentivos financiados para reduzir a enorme dependência que os produtores têm das commodities agrícolas. 5. Empresas pagando um preço decente por todas as commodities, incluindo o café.

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Annie Bungeroth/OXFAM

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A crise do café

Peris Mwihaki poda seus pés de café após a colheita na Província Central do Quênia. Nos últimos anos, ela só tem conseguido vender seus frutos de café ao equivalente a não mais de 2% a 3% do preço final de venda do café queniano AA nos supermercados dos países do Norte. “Os pagamentos simplesmente não chegam até a gente que vive aqui nas colinas”, explicou Peris. “O trabalho de cuidar do cafezal continua duro como sempre, mas atualmente não estamos 5 tendo nenhum retorno”.

1. A crise do café
Uma crise está afetando 25 milhões de produtores de café em todo o mundo. O produto atingiu o preço mais baixo dos últimos 30 anos e as perspectivas de longo prazo parecem sombrias. Os produtores de café dos países em desenvolvimento, em sua maioria pequenos proprietários pobres, vendem seus grãos por preços muito mais baixos que os custos de produção. A crise está se tornando desastrosa para o desenvolvimento de muitos países e seu impacto será sentido por muito tempo. Famílias que dependem da renda gerada pelo café estão tirando seus filhos, principalmente suas filhas, da escola, não têm mais recursos para comprar medicamentos básicos e reduziram o consumo de alimentos. Além dessas famílias, muitas economias nacionais também estão sofrendo os efeitos da crise. Comerciantes de café estão falindo, alguns bancos enfrentam problemas e governos que dependem de receitas de exportação geradas pelo produto são obrigados a cortar ainda mais seus orçamentos para educação e saúde e têm poucos recursos para saldar suas dívidas. Se a globalização deve operar a favor dos pobres e se o comércio deve favorecer os pobres, o mercado do café não pode desconsiderá-los como está fazendo atualmente. As coisas não precisam ser assim. Lee), o clima é de total satisfação com os negócios. Juntas, essas quatro empresas controlam as marcas de café mais conhecidas do mundo: Maxwell House, Nescafé, Folgers e Douwe Egberts. A Kraft – que é subsidiária da Philip Morris, empresa fabricante de cigarros – teve lucros de mais de US$ 1bilhão com suas vendas de bebidas, alimentos a base de cereais e sobremesas em 2001. O café solúvel fabricado pela Nestlé, do qual se consomem 3.900 xícaras a cada segundo, produz lucros tão robustos que um analista de investimentos o descreveu como o equivalente comercial do paraíso.1 A indústria é tão lucrativa que muitos se chocam ao saber que a produção desse grão, que para alguns tem o mesmo valor do ouro, deixa milhões de produtores na mais absoluta pobreza. Um cafeicultor de Uganda resumiu o desespero de muitos dos produtores entrevistados pela Oxfam:

“Gostaria que vocês dissessem às pessoas de seu país que o café que elas tomam tornou-se causa de todos os nossos problemas. Nós cultivamos esse produto com muito suor e o vendemos por preços irrisórios.” - LAWRENCE SEGUYA, DISTRITO DE MPIGI, UGANDA. FEVEREIRO DE 2002 2
O desafio com que se defronta o mercado mundial do café ilustra nitidamente os problemas enfrentados por outras commodities (produtos primários) das quais os países em desenvolvimento são muito dependentes. Encontrar uma solução para essa crise é um teste que indicará se a globalização – e o mercado que ela cria – pode efetivamente ser administrada no sentido de operar a favor dos pobres.

Crise? Que crise?
Qualquer pessoa que der uma olhada em shoppings dos países desenvolvidos não terá dúvida de que a indústria do café continua em plena expansão. Os bares para degustação de cafés, onde se desfruta o clima jovial de camaradagem do seriado americano Friends, multiplicamse em lugares nobres. Atualmente, livrarias e lojas de departamentos abrigam locais que exalam o aroma do café fresco e o burburinho de clientes cansados de fazer compras. Pequenos cafés em estações de trem oferecem uma rápida dose de cafeína a passageiros que já conhecem bem o café expresso, o café latte e o cappuccino. Nas salas de reuniões das diretorias das quatro maiores empresas de café do mundo, conhecidas como torrefadoras (Kraft Foods, Nestlé, Procter & Gamble e Sara

Da prosperidade à bancarrota…
Para produtores de todos os países em desenvolvimento, o café representava a esperança de um futuro melhor. O café é uma das poucas commodities comercializadas internacionalmente ainda produzida, em sua maior parte, não em grandes plantações, mas em pequenos cafezais cultivados por famílias de agricultores. Setenta por cento do café produzido no mundo são cultivados em pro-

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priedades rurais com menos de 10 hectares, principalmente em chácaras com áreas que variam de um a cinco hectares. Mesmo em países que têm grandes cafezais, como Brasil, Índia e Quênia, também existem muitos produtores de pequeno porte. Os pequenos produtores costumavam colher benefícios de seus cafezais. Eles conseguiam alimentar adequadamente suas famílias, educar seus filhos e ter uma moradia decente. Na região do Kilimanjaro, na Tanzânia, por exemplo, a renda proporcionada pelo café garantia taxas elevadas de alfabetização e níveis nutricionais acima da média.3 Na Colômbia, a receita do café financiava escolas, infra-estrutura e cursos de treinamento para produtores rurais. As regiões produtoras eram menos propensas à violência política que afeta outras áreas daquele país – fator atribuído, em parte, à relativa prosperidade dos cafeicultores.

O café é cultivado na ampla faixa tropical e subtropical situada em torno do Equador, incluindo alguns dos países que enfrentam os mais severos desafios do mundo em termos de desenvolvimento (veja a figura 1). Existem duas variedades principais de café: a robusta e a arábica. A variedade robusta, como seu nome indica, vem de uma planta mais resistente, amplamente usada na confecção de cafés solúveis e na preparação dos tipos mais fortes da bebida. A variedade arábica, de melhor qualidade, com seu sabor mais suave, é tipicamente cultivada à mão em regiões de maior altitude. Tem cultivo mais difícil e possui suscetibilidade a doenças, mas alcança maior preço. Por seu sabor requintado, é vendida nos mercados dos cafés especiais e também usada em misturas de cafés solúveis.

Figura 1: Produção mundial de café, 2001

Produtores de Café por volume anual menos de 1 milhão de sacas mais de 5 milhões de sacas 1-5 milhões de sacas 7

As economias de alguns dos países mais pobres do mundo são muito dependentes do comércio do café. Essa dependência se acentua particularmente em alguns países africanos. Em Uganda, os meios de vida de cerca de um quarto da população dependem de alguma maneira das vendas do café. Na Etiópia, o produto responde por mais de 50% das receitas de exportação; em Burundi, esse percentual atinge quase 80% (veja a figura 2) . Na Guatemala, a sobrevivência de mais de 7% da população depende do café; na vizinha Honduras, esse percentual chega a quase 10%.4 Na Nicarágua, o segundo país mais pobre da América Central, o café responde por 7% da renda nacional.5

Mesmo onde as economias nacionais não dependem do café, há regiões e comunidades cuja sobrevivência está diretamente ligada a esse produto. No México, o café ainda é muito importante, em especial para os 280 mil produtores indígenas que vivem nos estados de Oaxaca, Chiapas, Veracruz e Puebla, considerados os mais pobres do país. No Brasil, embora o café responda por menos de 5% de todas as divisas geradas, garante o meio de vida de 230 a 300 mil pequenos produtores e emprega diretamente no setor um contingente adicional de três milhões de trabalhadores rurais.6 Na Índia, a indústria do café dá emprego a três milhões de trabalhadores.7

Figura 2: Alta dependência do café como fonte de renda
Exportações de café como % do total das exportações (2000)

Burundi 79%

Eti pia Etiópia 54% 54%

Uganda 43%

Fonte: Banco Mun Fonte: Banco Mundial

Ruanda 31% Ruanda 31%

Burundi: 1999 f Burundi: 1999 figures

Honduras 24%
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A devastação de comunidades e países produtores de café
Os preços pagos aos produtores – tanto da variedade robusta como da arábica – caíram para níveis extremamente baixos. A queda começou abruptamente em 1997, com os preços chegando ao nível mais baixo em 30 anos no final de 2001, fenômeno que se mantinha em junho de 2002. Levando em conta a inflação, o preço ‘real’ dos grãos do café caiu muito mais: atualmente, encontra-se no patamar de 25% de seu nível em 1960. Isto significa que a renda alcançada pelos cafeicultores só compra um quarto do que eles conseguiam comprar 40 anos atrás (veja a

figura 3). Esse é provavelmente o preço real mais baixo que os produtores recebem pelo café nos últimos 100 anos.
A empresa de consultoria Landell Mill Consultants estimou, no fim de 2001, que o preço do café não cobria os custos totais dos produtores das variedades robusta e arábica. No caso da robusta, o preço não pagava sequer os custos variáveis. No Vietnã, por exemplo, que é um dos países com custo de produção mais baixo do mundo, uma pesquisa realizada pela Oxfam na província de Daklak sugere que, no início de 2002, o valor recebido pelos cafeicultores representava cerca de 60% dos seus custos de produção.8

Figura 3: A dramática queda dos preços do café
Arábica e robusta, centavos de US$/libra

Preços reais: Robusta, centavos de US$/libra

Preços reais: Arábica, centavos de US$/libra

Fonte: Banco Mundial. Preço em dólares constantes de 1990. O Índice G-5 MUV de Preços Deflacionados para 2002 refere-se ao período de janeiro a maio.

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Os tempos estão muito ruins para os produtores, já que o preço do café não permite que estes satisfaçam as necessidades mais básicas de suas famílias. A maioria tem usado a receita da venda do café para comprar itens essenciais e não consegue fazer qualquer poupança para superar tempos difíceis. Alguns são forçados a vender suas terras; outros estão abandonando suas casas e famílias em busca de trabalho em outros lugares, provocando um efeito dominó nas comunidades em que vivem.

“Cinco a sete anos atrás, eu produzia sete sacas de café do tipo cereja vermelha (café sem processar) e ganhava o suficiente para comprar roupas, medicamentos, serviços e resolver muitos problemas. Agora, mesmo que eu venda quatro vezes mais, seria impossível cobrir todas as despesas. Fui forçado a vender meus bois para quitar um empréstimo que fiz para comprar fertilizantes e sementes melhoradas de milho, caso contrário estaria na prisão. “As despesas médicas são altas, já que a nossa área é muito afetada pela malária. Pelo menos um membro de minha família precisa ir ao hospital todos os anos para se tratar. Cada tratamento custa US$ 6. Precisamos também comprar teff (alimento típico muito consumido na região), sal, açúcar, sabão e querosene para nossa iluminação, entre outras coisas. Precisamos pagar pela educação de nossos filhos. Antes, conseguíamos cobrir essas despesas, mas agora não… Três de nossos filhos não podem ir à escola, porque não tenho condições de comprar seus uniformes. Paramos de comprar teff e óleo comestível. Estamos comendo basicamente milho. A pele das crianças está ficando seca e elas apresentam sinais de desnutrição.”11

“Em algumas comunidades, vemos que a migração para o México é muito grande. Numa comunidade, há cerca de três ou quatro meses, chegaram uns oito caminhões e levaram embora todas as pessoas que podiam trabalhar nas fazendas mexicanas… Elas ficaram lá por períodos que variaram de quatro a seis meses. Isso significa uma grande ruptura social da família”, diz Jeronimo Bollen, membro da cooperativa Manos Campesinos, da Guatemala.9
No México ou em Honduras, produtores desesperados sonham com a possibilidade de fugir para os Estados Unidos. No ano passado, seis produtores de café de Veracruz foram encontrados mortos no deserto do Arizona, após tentarem a sorte cruzando a fronteira.10 Segundo Cesar Villanueva, da ONG Rainforest, “a crise dos preços afeta diretamente as mulheres. O chefe de família com freqüência vai trabalhar em outros lugares, pelo menos durante parte do ano, deixando sua mulher e filhos para cuidar da terra. Nesse processo, as crianças geralmente abandonam os estudos”. A carga de trabalho para as mulheres também aumentou nas famílias que costumavam contratar mão-de-obra temporária para ajudar na colheita do café. Agora que elas não têm mais condições econômicas de contratar ninguém, freqüentemente assumem o trabalho adicional. Mohammed Ali Indris, cafeicultor etíope da província de Kaffa entrevistado pela Oxfam em março de 2002, deu uma imagem gráfica de como a queda no preço do café havia afetado sua família. Ele tem 36 anos e sua família de 12 membros inclui os filhos de seu falecido irmão. De acordo com suas estimativas, há cerca de cinco anos ele tinha uma renda de US$ 320 por ano com suas vendas combinadas de café e milho. Neste ano, ele espera conseguir algo em torno de US$ 60 com as vendas do café. O milho que ele teria vendido já foi consumido por sua família.

Famílias que passam fome
Segundo o Programa Mundial de Alimentos, em março 2002 a crise do café, associada aos efeitos de uma seca acentuada, deixou 30 mil de hondurenhos com fome e centenas de crianças tão desnutridas que foi necessário hospitalizá-las.12 “A fome tornou-se lugar-comum em algumas regiões da América Central, particularmente no nordeste da Guatemala, onde a seca afetou seriamente a produção de cereais básicos e o Programa Mundial de Alimentos foi forçado a desenvolver uma série de programas emergenciais”, relata a Oxford Analytica. 13 Em janeiro de 2002, a União Européia (UE) e a The United States Agency for International Development (USAID) lançaram um alerta sobre o aumento da pobreza e levantaram questões relacionadas à segurança alimentar que afetam produtores de café na Etiópia, informando que eles estavam vendendo seus ativos e reduzindo o consumo de alimentos. Produtores entrevistados pela Oxfam no Peru afirmaram que estavam sendo forçados a diminuir drasticamente seu consumo de alimentos. Na província de Daklak, no Vietnã, toda a renda dos produtores mais pre-

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judicados dependia do café e, por esta razão, estes foram enquadrados na categoria de pré-inanição. A fome é particularmente aguda entre famílias que optaram por dedicar uma parcela maior de sua terra para o cultivo do café em detrimento de outras lavouras de subsistência. A decisão sobre este equilíbrio pode estar na base dos conflitos entre mulheres responsáveis por alimentar suas famílias e homens ansiosos por conseguir uma renda maior.

Assistência médica prejudicada
A combinação entre queda na receita do café e demandas crescentes na área de saúde está produzindo impactos devastadores no setor da assistência médica. Na Etiópia, onde o café é o principal produto de exportação, 700 mil famílias dependem dele para sobreviver e milhões de outras para complementar sua renda, 15 a queda nas receitas de exportação geradas pelo café constitui um sério desafio para o país em termos de sua capacidade de lidar com a crise do HIV/AIDS. A Agência das Nações Unidas para o HIV/AIDS estima que mais de três milhões de etíope adultos (5% da população) estão infectados com o vírus. Segundo as projeções do Ministério da Saúde, só o tratamento de portadores do HIV e aidéticos responderá por mais de 30% de todas as despesas do setor de saúde em 2014. O ônus da doença tem o potencial de demandar fatias cada vez maiores do orçamento do governo para o setor de saúde, que em parte precisarão ser financiadas por receitas oriundas da venda de café. Como em outros países em desenvolvimento nos quais os serviços de assistência médica prestados pelo Estado enfrentam grandes limitações, indivíduos e suas famílias precisam usar seus próprios recursos para ter acesso a serviços de saúde e a medicamentos. Os custos econômicos do HIV/AIDS são altos: baixa produtividade provocada pela doença e ônus de encontrar recursos para pagar por serviços de assistência médica e medicamentos e cobrir despesas funerárias. Esses custos e despesas já são muito superiores à renda familiar média dos pobres da Etiópia. Para as famílias que dependem do retorno cada vez menor dos cafezais, a situação tornou-se intolerável. As mulheres são particularmente afetadas, porque além das responsabilidades adicionais geradas pelos problemas de saúde na família, elas tendem a abster-se de se tratar quando suas famílias precisam fazer opções em relação a quem receberá o tratamento.

Crianças forçadas a abandonar a escola
Em muitas entrevistas realizadas pela Oxfam no Vietnã, na região leste da África e no Peru, os produtores citaram o preço do café como um problema que os impede de garantir uma boa educação para seus descendentes. Em Uganda, onde uma grande parcela da população depende, em parte, do café, a crise está afetando a capacidade das famílias de prover escolas para os filhos. Bruno Kalufi (17 anos) e seu irmão Michael (15 anos), moradores do distrito de Mpegi, Uganda, precisaram abandonar os estudos porque não têm condições de pagar as mensalidades escolares. “Não vou conseguir vencer na vida se não freqüentar a escola”, afirma Bruno. “Só me restará ficar por aqui, plantando alguma coisa para comer. Minha escola de Segundo Grau já me mandou de volta para casa diversas vezes… ela faz isso quando você não paga as mensalidades… Estamos na principal estação do café. Todos costumavam voltar para a escola após pagar as mensalidades com o dinheiro do café, mas agora ele não rende nada. O preço é tão baixo que as pessoas nem estão colhendo… gostaria que as pessoas que estão usando o nosso café nos proporcionassem um mercado melhor. Tudo que eu quero é ir para a escola”. Patrick Kayanja, diretor da escola de Bruno, explica: “O número de alunos está muito baixo. Tentamos reduzir as mensalidades, mas ainda assim os pais não conseguem pagá-las. O dinheiro deles vinha da venda do café, mas essa renda sumiu. Entre 1995 e 1997, tínhamos 500 alunos. Há três anos, tínhamos 250. No ano passado, começamos com 140 e terminamos com 54. Este ano não teremos mais que 120 alunos, considerando a situação dos produtores rurais”.14

Trabalhadores sazonais empobrecidos
Os trabalhadores sazonais (temporários) estão entre os mais pobres e vulneráveis participantes do comércio do café. Em troca de um baixo salário, eles trabalham em propriedades rurais de pequeno e médio portes (de 10 a 50 hectares) e em grandes cafezais (com mais de 50 hec-

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tares) que produzem 30% de todo o café do mundo. Longe de casa, eles não têm condições de suplementar sua dieta alimentar com produtos cultivados em suas terras e podem ficar sem trabalho de uma hora para outra. Embora alguns países produtores mantenham padrões trabalhistas adequados no setor do café, nem todos fazem isso: muitos trabalhadores em cafezais não conseguem se sindicalizar para negociar melhores salários. Mesmo onde existe uma legislação trabalhista, esta é freqüentemente ignorada e os direitos dos trabalhadores desprezados. As mulheres em geral recebem salários inferiores pelo mesmo tipo de trabalho (até 30% mais baixos em Honduras) e o uso de mão-de-obra infantil é comum. No Quênia, por exemplo, 30% dos colhedores de café têm menos de 15 anos de idade.16 Na América Central, cerca de 400 mil trabalhadores temporários e 200 mil empregados permanentes de cafezais perderam seus empregos recentemente, de acordo com o Banco Mundial.17 Na Guatemala, muitos dos trabalhadores sazonais são indígenas que abandonam suas casas na época da colheita na esperança de ganhar dinheiro suficiente para comprar produtos essenciais, como óleo de cozinha, sal e roupas para o resto do ano. Mesmo antes da queda dos preços do café, as condições de trabalho e de vida desses trabalhadores eram deploráveis. Eles se acomodam em grandes galpões ou alojamentos coletivos sem qualquer privacidade e desprovidos de itens básicos, como água limpa, privadas ou fossas adequadas. A crise levou muitos deles a tomar medidas extremas. Nas regiões de cultivo de café da Guatemala, muitas terras foram invadidas por trabalhadores sazonais desempregados, após pequenos produtores terem despedido até 75% de seus colhedores em janeiro de 2002.18 Em Karnataka, responsável por grande parte do café cultivado na Índia, houve uma redução de 20% no número de trabalhadores empregados em cafezais nos últimos dois anos.19

uma pressão considerável, particularmente da agência antidrogas do governo americano (DEA), para atuar na ‘guerra contra as drogas’, participando de programas desenvolvidos com o objetivo de destruir a coca que é usada na produção da cocaína. A queda nos preços do café criou sérias ameaças para programas concebidos para substituir a coca por outras lavouras.

“As pessoas estão substituindo o café pela coca. Na área de Sauce, essa prática é bastante camuflada, uma vez que o CORAH (o órgão responsável pela erradicação das drogas) ainda é muito ativo nela. Mas o CORAH não consegue acompanhar o ritmo dessa mudança. O café representa uma perda de tempo do ponto de vista estritamente econômico… Todos têm alguma coca, embora paguem um preço por isso. Todos têm consciência desse fato. Ela gera violência – agressões e saques. Gera também prostituição e guerras entre gangues.”
– ENG. GUILLERMO LOPEZ,20 SAUCE, PERU

Crises financeiras para economias nacionais
Os impactos provocados pela baixa no preço do café afetam muito mais que as comunidades agrícolas imediatas: o fenômeno acarretou uma crise de desenvolvimento para países predominantemente pobres que cultivam o produto. O desaparecimento do dinheiro oriundo da venda do café na economia local é um dos principais fatores que levou muitos bancos ao colapso. Na América Central, afirmou-se que a crise está tendo o‘impacto de um outro (furacão) Mitch’ em termos de perda de renda: os países dessa região viram suas receitas oriundas da exportação de café caírem 44% num só ano: de US$ 1,7 bilhão, em 1999/ 2000, para US$ 938 milhões, em 2000/01. As previsões para 2001/02 continuam sombrias: mais 25% de queda.21 Na África subsaariana, a mesma história se repete. A receita de exportação de café da Etiópia caiu 42%: de US$ 257 milhões para US$ 149 milhões em apenas um ano.22 Em Uganda, onde aproximadamente um quarto da população depende do café de alguma maneira, as exportações do produto nos oito meses que precederam junho de 2002 mantiveram-se nos mesmos volumes registrados no ano anterior, mas as receitas caíram em quase 30%.23 Os países produtores enfrentam um azar duplo: o preço de suas exportações tende a cair ao longo do tempo, mas

A crescente atração pelo cultivo de drogas
A crise do café teve também outros impactos inesperados sobre o desenvolvimento. No Peru, na Colômbia e na Bolívia, as condições para o cultivo do café são muito semelhantes às necessárias ao cultivo da coca, matéria-prima da cocaína. Há décadas os países andinos têm sofrido

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Figura 4: Que quantidade de café um produtor precisa vender para poder comprar um canivete suíço?

1980
Preço do café* (centavos de US$) Taxa de câmbio Dólares Norte-Americanos/ Francos Suíços**

1990 88.95 1.39

2000 65.55 1.68

2001 46.2 1.68

126.8 1.67

*Preço spot básico por libra em dezembro **Média anual

Fonte: Gerster Consulting

o preço de suas importações, que freqüentemente consistem em bens manufaturados, não cai com a mesma rapidez, o que afeta profundamente suas condições de comércio. A figura 4 mostra que um produtor de café precisaria vender mais do que o dobro de grãos de café atualmente, em relação a 1980, para comprar um canivete suíço. Outro aspecto ainda pior: o custo da dívida é fixado em dólares norte-americanos, enquanto o valor das exportações de café cai constantemente, dificultando cada vez mais o seu pagamento regular. Os países mais pobres beneficiam-se de ações destinadas a aliviar o peso da dívida (como a iniciativa dos Países Pobres Altamente Endividados - HIPC). Mas a forte queda nas receitas de exportação mina qualquer esforço para equilibrar as finanças dos países pobres. As exportações de café da Etiópia caíram de US$ 257 milhões para US$ 149 milhões em um ano.24 Para termos uma melhor perspectiva do que isto significa, a poupança projetada pelo país no serviço de sua dívida em 2002 será de US$ 58 milhões (no âmbito dos HIPC e de outras ini-

ciativas destinadas a aliviar o ônus da dívida dos países pobres).25 O Ministro da Agricultura da Nicarágua, Jose Augusto Navarro, afirmou que o ônus do pagamento da dívida representa um imenso desafio que se soma à miséria provocada em seu país pelo preço do café.26 Tragicamente, longe de criar um setor agrícola saudável e de gerar divisas muito necessárias, o café acabou forçando governos a tomarem medidas emergenciais para apoiar seus cafeicultores. A Colômbia alocou US$ 72 milhões para financiar um subsídio interno de preços para os produtores de café.27 Em 2001, a Costa Rica precisou disponibilizar US$ 73 milhões em créditos emergenciais sem juros para produtores rurais.28 Na Tailândia, o governo tem planos de comprar mais da metade da safra de 2001/ 2002 a uma taxa fixa, que embora ainda seja inferior aos custos de produção, é significativamente mais alta que o preço pago aos produtores.29

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Geoff Sayer

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As raízes da crise
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George Sakwa com frutos de café arábica colhidos em sua pequena propriedade familiar, situada no Monte Elgon, em Uganda. Em 2001, George e Topista, sua mulher, venderam 1,5 acre de sua propriedade porque o retorno da venda de café já não permitia que eles pagassem as mensalidades da escola de Segundo Grau de seus filhos.

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2. As raízes da crise
O mercado do café enfrenta um colapso nos preços e na qualidade. Para os produtores, a perda de qualidade significa preços mais baixos, até para cafés da variedade arábica, pelos quais eles costumavam receber mais. Isto é ruim para os produtores, para os consumidores de café e, em última análise, para as torrefadoras. Essa situação devastadora é provocada por quatro importantes fatores: a. reestruturação do mercado: de administrado a superabastecido b. desequilíbrios de poder no mercado: produtores sem dinheiro, torrefadoras com grandes lucros c. novas tecnologias e técnicas adotadas pelas torrefadoras: qualidade afetada d. falta de alternativas: fracasso do desenvolvimento rural.

Reestruturação do mercado: de administrado a superabastecido
O mercado está superabastecido: o volume de café produzido para comercialização é muito superior à demanda. A produção de 2001/2 está estimada em 115 milhões de sacas30 – de 60kg cada –, contra um consumo de 105 a 106 milhões de sacas31 (veja a figura 5). A oferta tem crescido a uma taxa maior que 2% ao ano, superando o crescimento da demanda em 1% a 1,5 %.32 A repetição desse excedente ano após ano levou à acumulação de estoques atualmente estimados em mais de 40 milhões de sacas33. Mesmo que a oferta se alinhe com a demanda num futuro próximo – e alguns esperam que isso ocorra até 2003/4 – a presença desses estoques ainda manteria o preço do café num nível baixo.

Figura 5: Produção Mundial de Café 1964-2001 (‘000s sacas)

Fonte: OIC

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Três fatores explicam por que a oferta e a demanda se desalinharam tanto: o fim do mercado administrado, em 1989; a entrada de novos protagonistas no mercado; e o baixo crescimento da demanda nos mercados tradicionais do ocidente.

O colapso do mercado administrado
Nos últimos 15 anos, o mercado mudou radicalmente. Até 1989, o café – como a maioria das commodities – tinha sua comercialização regulada pelo Acordo Internacional do Café (AIC). Os governos das nações produtoras e consumidoras se empenharam em estabelecer acordos sobre níveis predeterminados de oferta, definindo cotas de exportação para os países produtores. O objetivo era manter o preço do café relativamente alto e estável, dentro de uma faixa de preço de US$ 1,20/libra a US$ 1,40/libra (1 libra = 453,59 gramas). Para evitar superoferta, os países precisaram assumir o compromisso de não ultrapassar sua cota ‘justa’ de exportações de café. Se, no entanto, os preços subissem acima de um determinado teto, os produtores podiam ultrapassar suas cotas para atender ao aumento repentino da demanda. A falta de entendimento entre os membros levou ao colapso do Acordo em 1989. A oposição dos Estados Unidos, que subseqüentemente deixou de ser membro, foi

um fator importante. O acordo ainda sobrevive, administrado pela Organização Internacional do Café (OIC), mas perdeu seu poder de regular a oferta por meio de cotas e faixas acordadas de preços. Os preços do café são determinados nos dois grandes mercados de futuro de Londres e Nova Iorque, cada um dos quais comercializa variedades e categorias específicas de café. O mercado de Londres é a referência para o café da variedade robusta e o de Nova Iorque para o café da variedade arábica. O preço do café é influenciado por um enorme volume de contratos de comercialização, que ultrapassa em muito a quantidade física de café que muda de mãos. Na perspectiva dos países produtores, o Acordo trouxe uma era próspera de preços bons e estáveis em comparação à atual situação desastrosa. Como mostra a figura 6, embora os preços tenham flutuado significativamente de 1975 a 1989, permaneceram relativamente altos e raramente caíram abaixo do piso de US$ 1,20/libra previsto no AIC. No entanto, em 1989, quando o Acordo entrou em colapso e a faixa acordada de preços deixou de ser aplicada, os preços caíram dramaticamente e – exceto em duas ocasiões em que ocorreram altas acentuadas, em 1995 e 1997, por causa das geadas que prejudicaram as safras brasileiras – os preços caíram muito, chegando a ficar abaixo do custo médio de produção.

Figura 6: Mercados mensais de futuro de café de Nova Iorque (mês spot)
Fonte: Volcafe. É importante observar que, individualmente, os produtores não extraíram todo o ‘lucro do produtor’, como indicado aqui, já que este foi, em grande parte, absorvido por intermediários e cadeias de comercialização ineficientes.
Piso da OIC

Faixa acordada de preços da OIC

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Os críticos mencionam alguns fatores que levaram ao colapso do Acordo. Houve muita barganha política para se conquistar cotas maiores e a situação ficou difícil para novos produtores que tentavam entrar no mercado. A despeito das cotas acordadas, volumes adicionais vazaram de países que não faziam parte do Acordo, minando o esquema de preços e a confiança de seus integrantes. Algumas pessoas do setor acreditam que o esquema de preços levou à superprodução, argumentando que foi artificialmente definido num patamar elevado demais. Outras argumentam que a superoferta atual deve-se mais às altas de preço verificadas em 1994/95 e 1997 do que aos preços elevados que prevaleceram na década de 1980. As propostas de reativar o Acordo não estão surtindo efeito por falta de vontade política. As ricas nações consumidoras não demonstram qualquer disposição de participar e as nações produtoras talvez não estejam dispostas ou não tenham condições de observar suas próprias regras. Sem o apoio dos países consumidores, os países produtores tentaram limitar suas exportações, mas a iniciativa ruiu em 2001. A falta de vontade de reativar a administração dos mercados por meio de cotas não significa que outras abordagens não funcionem, principalmente se forem regidas por mecanismos de mercado. A OIC desenvolveu uma abordagem dessa natureza: um esquema para reduzir a quantidade do café comercializada com base na sua qualidade. No entanto, essa iniciativa só produzirá resultados se for apoiada pelos países ricos e pelas torrefadoras.

café é cultivado. Uma maior mecanização, a adoção de métodos de produção intensiva e o deslocamento geográfico de áreas sujeitas a geadas para locais onde este fenômeno não ocorre aumentaram a produtividade dos cafezais. A expectativa de uma próxima grande safra brasileira contrabalançará a redução das exportações de outros países, mantendo o desequilíbrio na oferta do café.34 Além de uma oferta dramaticamente maior, essa situação traz sérias implicações para países que produzem café tradicionalmente: eles terão que enfrentar a concorrência de níveis de produtividade sem precedentes. “Para se ter uma idéia da diferença, em algumas áreas da Guatemala podem ser necessárias mais de mil pessoas trabalhando um dia inteiro para encher um container com 275 sacas de 69kg cada. No cerrado brasileiro, esse mesmo trabalho pode ser realizado por apenas cinco pessoas e uma colheitadeira mecânica. Uma pessoa dirige e as outras colhem. Como as famílias de produtores da América Central poderão concorrer com um esquema desses?” pergunta Patrick Installe, Diretor Administrativo da Efico, uma empresa que comercializa café verde.35 Quais foram os gatilhos que levaram a esse grande aumento na produção mundial de café e à conseqüente superoferta do produto? As altas inesperadas ocorridas em 1994/5 e 1997, em decorrência de geadas no Brasil, certamente estimularam muitos países e seus produtores a entrar no mercado. No entanto, outros fatores observados nos países produtores também contribuíram para o fenômeno. Políticas nacionais, novas tecnologias e movimentos monetários também exerceram uma importante influência nesse sentido.

Os gigantes: Brasil e Vietnã
O Brasil e o Vietnã mudaram todo o cenário da oferta mundial do café. Há dez anos, o Vietnã era estatisticamente insignificante neste mercado, produzindo apenas 1,5 milhão de sacas. Sua economia agrícola abriu-se para o mundo na década de 1990, quando o governo do país disponibilizou terras irrigadas e concedeu subsídios para estimular o reassentamento de produtores para que plantassem café. Em 2000, o país tornou-se o segundo maior produtor do mundo, produzindo 15 milhões de sacas, principalmente em pequenas propriedades rurais. O Brasil, por outro lado, não é um país que entrou recentemente no mercado. Há muito tempo é o maior produtor do mundo, mas a sua produção foi impulsionada recentemente por mudanças em termos de como e onde o

Demanda vagarosa
Os Estados Unidos, a Alemanha, a França e o Japão consomem, entre si, metade das exportações mundiais de café.36 Enquanto a produção aumentou rapidamente, a demanda pelo produto nos países desenvolvidos cresceu num ritmo mais lento, a despeito do surgimento de novos mercados promissores, como o do Leste Europeu. As grandes empresas de café gastam milhões de dólares em propaganda a cada ano, mas não conseguiram evitar que consumidores ricos optassem por outras bebidas. A figura 7 mostra como o consumo de café tem crescido pouco em

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relação ao consumo de refrigerantes nos Estados Unidos, o maior mercado consumidor do mundo. No entanto, esse fenômeno não é mundial. A Nestlé, que tem uma participação relativamente pequena no mercado estadounidense, afirma que suas vendas de Nescafé nesse país aumentaram em 40% nos últimos 10 anos.

Figura 7: Consumo de café nos Estados Unidos, uma nação onde o consumo do produto está ficando cada vez mais moderado
Consumo de café versus consumo de refrigerantes nos Estados Unidos, em galões per capita

Fonte: Departamento de Agricultura dos Estados Unidos/Davenport & Company

Os números para 2000 são previsões Os números indicados para o café baseiam-se numa média móvel de três anos

A combinação entre superoferta, maior produção e lento crescimento da demanda gerou um sério desequilíbrio que precisa ser atacado para que a oferta e a demanda consigam se realinhar. As conseqüências desse fenômeno para os produtores são inaceitáveis: o mercado não apresenta qualquer sugestão sobre como as famílias que cultivam o produto sobreviverão enquanto esperam este reequilíbrio, que pode levar anos.

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Desequilíbrios de poder no mercado: produtores sem dinheiro, torrefadoras com grandes lucros
Enquanto essa crise continua, o mercado do café tem sido extremamente favorável para as empresas torrefadoras transnacionais. Ao mesmo tempo, os países produtores têm, coletivamente, recebido uma parcela cada vez menor dos lucros gerados. • Há 10 anos, os países produtores tinham uma renda de US$ 10 bilhões37 num mercado que gerava cerca de US$ 30 bilhões. Uma década depois, suas receitas de exportação caíram para menos de US$ 6 bilhões num mercado cujo tamanho mais que dobrou nesse período. Isso representa uma queda de mais de 30% do valor da lucratividade gerada no mercado para menos de 10%.

• Atualmente, os cafeicultores recebem 1% ou menos do preço de uma xícara de café vendida ao consumidor. Eles se apossam de aproximadamente 6% do valor de um pacote de café vendido num supermercado ou armazém. O gráfico da figura 8 mostra como o preço do grão do café embutido no preço pago pelo consumidor no varejo vem caindo vertiginosamente. Em 1984, os custos do grão verde representavam 64% do preço no varejo nos Estados Unidos. Em 2001, o preço da matéria-prima, como percentual do preço final no varejo, havia caído para 18%.38 Alguns mercados podem estar oferecendo um preço melhor aos consumidores, mas em todos a participação dos grãos de café no preço final caiu.

Figura 8: Comparação dos preços nominais do café em 1984-2001 (centavos de US$/Libra)

*Índice composto de preços nominais da OIC. Grão verde = o café em grãos é comercializado internacionalmente e processado na forma de café instantâneo ou de café torrado e moído. Fonte: OIC. O café solúvel não pode ser comparado ao café torrado e moído: um consumidor ou uma consumidora pode fazer mais xícaras de café com uma libra de café solúvel do que com uma libra de café torrado e moído.

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Há um enorme desequilíbrio de poder na cadeia mundial de abastecimento do café. Os produtores enfrentam uma série de obstáculos, a começar por preços internacionais muito baixos. No entanto, alguns deles, com os quais a Oxfam conversou, também reclamaram que precisavam aceitar o preço oferecido pela empresa comercializadora e que seu poder de negociação era muito reduzido ou inexistente. Se os produtores processam o seu café (retiram a casca externa do fruto), conseguem demonstrar a qualidade ou categoria de seus grãos e, assim, negociar um preço melhor. No entanto, se vendem o café sem processamento, não têm como comprovar a qualidade do produto e não são recompensados por ela. No Peru, mesmo quando o café é vendido semiprocessado, a situação não muda muito: “Apresentamos o café devidamente seco, mas os compradores dizem: dê-nos um desconto…não dá para identificar a qualidade, mas acho que eles estão se aproveitando de nós, porque sabem que precisamos vender para eles”, diz Carmela Rodriguez, de Sauce, Peru.39 As cooperativas constituem uma saída para os produtores em relação aos duros termos de negociação impostos pelos comerciantes. Os produtores relataram que vendiam seu café de melhor qualidade para as cooperativas, que os recompensavam com melhores preços. Porém, seguiam achando que as empresas de comercialização eram úteis porque compravam rapidamente o café de qualidade inferior. Embora os comerciantes procurem extrair o máximo de lucro dos produtores, as margens mais altas do mercado

são as auferidas pelas empresas torrefadoras, após a exportação do café. Contrastando profundamente com os prejuízos ou, na melhor das hipóteses, com as reduzidíssimas margens de lucro alcançadas pelos produtores e exportadores dos países em desenvolvimento, as empresas torrefadoras dos Estados Unidos e da Europa têm lucros extraordinários em suas vendas de café no varejo. A Oxfam entrevistou muitos atores envolvidos na cadeia de abastecimento em Uganda para rastrear a escala do preço do café em grãos em sua jornada do cafezal até as prateleiras dos supermercados no Reino Unido. Verificou que, neste caso, o produtor só capta 2,5% do preço do café no varejo. Nos Estados Unidos, o percentual seria de 4,5% do preço no varejo (veja seção ‘Para onde estão indo todos os lucros?’). Além do estudo em Uganda, a Oxfam contratou um consultor para desenvolver uma cadeia de valor indicativa, buscando avaliar que percentual médio do valor final os produtores estariam recebendo em diferentes países do mundo. Concluiu que os produtores do tipo mais barato de café, sem processamento, captam apenas 6,5% do valor final no varejo. Essa cadeia de valor usa dados oficiais de preços, onde eles estão disponíveis, ponderados para levar em consideração diferentes participações no mercado.40 É provável que este número esteja superestimado, uma vez que os dados oficiais podem estar exagerando o preço que os produtores conseguem efetivamente.

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Para onde estão indo todos os lucros? Rastreando a cadeia de valor…

“No Hotel Sheraton, de Kampala, uma xícara de café custa US$ 0,60. Na Europa, o preço pode ser até duas vezes mais alto. Não compreendemos o que está acontecendo. O produtor não compreende. Como pode um produtor cultivar um quilo de kiboko (café local não processado) para vendê-lo por US$ 0,08 e ver uma colher do produto ser vendida por US$ 0,60? Será que as torrefadoras estão enganando os produtores? Será que estão tendo lucros sobre-humanos? Os ugandenses só poderão ficar em seu país sem perturbar os países europeus se puderem vender suas safras por um preço melhor”.a
Estas são as palavras de um comprador de café da empresa Volcafe em Uganda. Embora ele seja um funcionário de uma multinacional gigantesca, suas palavras são de um habitante local fazendo uma pergunta básica: para onde estão indo todos os lucros? A Oxfam rastreou os custos embutidos no preço do café, entrevistando pessoas que fazem parte da cadeia de valor em Uganda. Mostrou como o valor é agregado ao café à medida que ele sai das mãos do produtor, passa por diversos estágios de processamento e distribuição e finalmente chega às prateleiras dos supermercados. Esse rastreamento revela como as reduzidíssimas margens de lucro obtidas nessa cadeia de valor ampliam-se subitamente quando o café chega às mãos das torrefadoras e dos varejistas. O produtor de café recebe US$0,14 por quilo de seus grãos verdes, pressupondo-se que ele não tenha feito qualquer processamento. Esses grãos passam por diversos comerciantes antes de chegar à fábrica da torrefadora ao preço de US$ 1,64 o quilo. Se os grãos forem transformados em café solúvel, vendido nos supermercados do Reino Unido, seu preço médio por quilo seria US$ 26,40. Ajustando-se esse número em função da perda de peso ao longo do caminho, entre o cafezal e o carrinho do supermercado, o preço teria subido mais de 7.000%. Uma jornada equivalente para um pacote de café torrado e moído vendido nos Estados Unidos envolveria um aumento de quase 4.000%.b A região de Kituntu situa-se no distrito de Mpigi, em Uganda, a cerca de 100km a sudoeste de Kampala, poucos quilômetros ao sul da linha do equador e a uma altitude de aproximadamente 1.200 metros. Trata-se de uma típica área de cultivo de café ao norte e oeste do Lago Vitória, onde se produz a maior parte das safras de robusta de Uganda.

O produtor: impossível sequer cobrir os custos
Peter e Salome Kafuluzi vivem em sua chácara em Kituntu com 13 de seus filhos e netos. Eles plantam café na região desde 1945. Entrevistado pela Oxfam em fevereiro de 2002, Peter afirmou que na última vez em que vendeu café, o preço obtido foi o mais baixo já visto. Um quilo do fruto seco ao sol, conhecido localmente como kiboko, foi vendido a seis ou sete centavos de dólar. “Eu me lembro quando se pagava 69 centavos de dólar pelo quilo de kiboko. Podíamos nos alimentar direito e dormíamos sem preocupações na cabeça. Conseguíamos cuidar adequadamente de nossas famílias. Eu precisaria vender o café a, pelo menos, 34 centavos de dólar o quilo. Mesmo que conseguíssemos 29 centavos de dólar, não daria para cuidar da terra”. Salome diz: “ Estamos sem dinheiro. Não estamos felizes. Não estamos conseguindo fazer nada. Não temos condições de comprar as coisas mais essenciais. Não temos condições de comprar carne, peixe ou arroz, somente batata-doce, feijão e matoke… Não temos recursos para manter nossos filhos na escola”. O kiboko precisa ser moído para se extrair a casca do fruto, após o que seu peso cai até a metade do peso do grão verde, que é comercializado internacionalmente. Para os produtores, tem mais sentido, do ponto de vista financeiro, moerem seu café eles próprios e muitos fazem isso. Peter vendeu parte do café moído e conseguiu um preço melhor. Mas alguns cafeicultores não produzem uma quantidade suficiente para justificar o custo de uma caminhonete e seus cafezais estão longe demais do moinho para levá-lo até lá de bicicleta. Resta-lhes aceitar o preço mais baixo oferecido pelos intermediários locais por frutos não processados.

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Os donos de moinhos: lutando para sobreviver
Mary Goreti administra o moinho de Jalamba, situado nas proximidades de Kituntu, há 10 anos. O moinho emprega 10 pessoas, mas a baixa no preço do café está afetando demais seus negócios. “Atualmente, as margens de lucro ficaram tão baixas e o preço da energia que consumimos tão alto que não dá nem para sobreviver. Poucas pessoas estão trazendo o seu kiboko para processarmos. Alguns cafeicultores simplesmente mantêm o produto em casa, porque os preços baixaram demais. Se a situação continuar assim, vamos falir. Não se pode abrir uma fábrica para processar 10 sacas”, diz ela.

O exportador: cobrindo os custos com muita dificuldade
De Jalamba, o café é despachado de caminhão para Kampala, situada a 100km de distância, e vendido para um exportador. Hannington Karuhanga, diretor administrativo da empresa Ugacof, é um desses exportadores. O escritório de Hannington tem grandes janelas com vista para a fábrica da empresa e pilhas de containers. Diante do brilho oscilante da tela do computador, ele repete, de memória, percentuais e diferenciais de preços no clique do mouse. Ele também acha que os números não batem. Afirma que os exportadores “estão muito satisfeitos com uma margem de US$ 10 por tonelada líquida (um centavo de dólar por quilo)”. Hannington seleciona, classifica, limpa e ensaca o café, despachando-o de caminhão para Mombaça ou Dar es Salaam. O preço que ele recebe por seu café é essencialmente o preço de exportação (FOB). Ele diz que isso cobre apenas os custos. “Não vale a pena transportar algumas das categorias (diferentes qualidades de café) que temos. Seria mais barato destruí-las”, ele diz.

O varejista: preços absurdamente altos
Na extremidade oposta da cadeia de valor, varejistas no Reino Unido vendem um quilo de café solúvel a um preço médio de US$ 26,40, o que representa um enorme salto nos preços. Obviamente, ali estão embutidos diversos custos de processamento, armazenagem, distribuição e comercialização do café, bem como os lucros das torrefadoras e dos varejistas. O café ugandense costumava ser muito consumido nos bares do Reino Unido, mas seu consumo caiu, de modo que não há como saber com certeza se o preço final no varejo inclui o café dessa origem específica. Mas a cadeia de valor de Uganda serve como um indicador útil de um mercado competitivo e bastante eficiente para esse tipo de café. O melhor preço que Peter e Salome Kafuluzi poderiam ter obtido para o produto, vendendo-o descascado para um moinho, representava cerca de 2,5% do preço final no varejo em 2001, após os ajustes necessários em decorrência do peso perdido no processamento.c

a

Pesquisa realizada pela Oxfam em Uganda, fevereiro de 2002 O múltiplo para se ajustar o preço em decorrência da perda de peso é de 2,6 vezes para o café solúvel e de 1,19 vez para o café torrado e moído. O número básico é o pior dos dois preços que o produtor recebeu Ajustado em função da perda de peso

b

c

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Quem está lucrando na cadeia do mercado do café? Todos os preços em US$/kg Novembro de 2001 – Fevereiro de 2002
Custos e margens

Preço comercializado
O produtor vende o kiboko ao intermediário (preço equivalente a 1kg de grãos verdes)

0,05 Margem do intermediário local 0,05 Custos de transporte até o moinho local, custo da moagem, margem do dono do moinho 0,02 Custo de ensacamento e transporte para Kampala

Preço do café verde (Qualidade Média) quando chega ao exportador em Kampala 0,09 Custos do exportador: processamento, descarte de categorias de baixa qualidade, impostos e margem do exportador 0,10 Ensacamento, transporte, seguro cobrado por porto no Oceano Índico

Preço FOB da variedade robusta padrão

0,07 Custo do frete, seguro

Preço CIF

0,11 Custos do importador: custos de descarregamento, entrega nas instalações da torrefadora, margem do importador

Preço do produto entregue na fábrica (ajustado em decorrência da perda de peso para café solúvel: x2,6)

O preço FOB aplica-se à variedade robusta de Uganda, de classificação padrão 15. O lucro dos exportadores é prejudicado pelo preço mais baixo pago por cafés de qualidade inferior. O preço no varejo refere-se ao preço de setembro de 2001 do café solúvel no Reino Unido, extraído de estatísticas da OIC.

Preço médio no varejo de 1 kg de café solúvel no Reino Unido

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O poder das torrefadoras: lucros estratosféricos em meio à crise
Muitas torrefadoras em todo o mundo compram café em grãos verdes e o transformam em café torrado e moído ou em café instantâneo. No entanto, as quatro principais torrefadoras – Kraft, Nestlé, Procter & Gamble e Sara Lee – são gigantes do mundo do café e moldam o seu mercado de varejo. Suas marcas amplamente conhecidas incluem Maxwell House, Nescafé, Folgers e Douwe Egberts. A Procter & Gamble vende café na América do Norte (veja a figura 9), enquanto a quinta maior torrefadora, a Tchibo, comercializa o produto principalmente na Alemanha. Recentemente, ocorreram mudanças na forma pela qual o café é consumido nos países ricos. Proliferam sofisticadas casas para degustação do produto, instigando os consumidores a saborear cafés cada vez mais exóticos (gostaria de experimentar um legítimo moca [café de variedade superior, originário da Arábia]?). O setor de cafés especiais cresce em ritmo acelerado e atualmente responde por cerca de 40% do valor das vendas do produto nos Estados Unidos, segundo uma estimativa.41 No entanto, em termos de volumes, as torrefadoras mais importantes, as quais movimentam milhões de sacas de café, são as que mais estão afetando os países em desenvolvimento. Entre elas, as cinco empresas mencionadas acima compram quase metade da oferta mundial de café na forma de grãos verdes.

Figura 9: Principais torrefadoras - volume anual de café verde, 2000 (‘000 toneladas métricas)

:1 3% Ne stl é: 13 Sa % ra Le e: 10 % P & G: 4% Tc hib o: 4%
Fonte: Volcafe

Kr

aft

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É difícil definir um número exato para os lucros que essas empresas auferem. Suas atividades com café, freqüentemente desenvolvidas por meio de subsidiárias que comercializam alimentos e outras bebidas, não têm resultados divulgados publicamente. No entanto, estimativas desenvolvidas por analistas explicam por que essas empresas estão tão viciadas nas altas do café que comercializam. Há dois anos, o relatório de um analista sobre os negócios com café solúvel da Nestlé concluiu o seguinte: “Martin Luther costumava se perguntar o que as pessoas fazem no paraíso. Para a maioria das empresas que participam da intensamente competitiva indústria de fabricação de produtos alimentícios, a contemplação dos negócios da Nestlé na área do café solúvel deve parecer o equivalente comercial da meditação espiritual de Luther”.42 Referindo-se à participação da Nestlé no mercado, ao tamanho de suas vendas e às suas margens de lucros operacionais, o mesmo autor afirma o seguinte: “Nenhuma outra empresa que opera no mercado dos produtos alimentícios e bebidas tem resultados que sejam, nem de longe, tão bons”. O relatório estima que, em média, a Nestlé obtém um lucro de 26 centavos de libra esterlina em cada libra vendida de café instantâneo.43 Um outro analista acredita que a margem de lucro da Nestlé44 com a venda de café solúvel em todo o mundo é mais alta, chegando a cerca de 30%. Para a Nestlé, os ricos mercados do Reino Unido e do Japão são particularmente lucrativos. O café torrado e moído dá menos lucro do que o solúvel, mas o lucro deste também é invejável. Em 2002, a Sara Lee, embora prejudicada por uma dura concorrência no mercado dos Estados Unidos, teve uma margem de lucro nada desprezível de quase 17% com sua unidade de bebidas,45 a qual comercializa, principalmente, café. Uma rápida olhada nos lucros auferidos em outros mercados de produtos alimentícios e bebidas revela como esses níveis de lucro são de dar água na boca. O grupo Heineken, fabricante de cerveja, por exemplo, teve uma margem de lucro de cerca de 12% em 2001. As margens de lucro da Sara Lee em seus negócios com carnes e lingüiças especiais não chegaram a 10% em 2002;46 seus lucros com a venda de pães, bolos e doces foram até mais baixos, 5,5%. Os negócios da Danone com a venda de laticínios e iogurte geraram lucros da ordem de 11% em 2001.

O café – principalmente o café solúvel – é uma verdadeira galinha dos ovos de ouro em comparação com esses outros produtos. Como as empresas torrefadoras conseguem ter lucros tão altos enquanto os produtores enfrentam uma crise tão profunda? Elas lucram com os volumes que compram, com a força de suas marcas e produtos, com o controle de custos, com sua capacidade de misturar diferentes tipos de café em seus produtos de marca e com o uso de instrumentos financeiros que lhes dão uma flexibilidade de compra ainda maior.

• O poder das marcas
Os nomes famosos das principais marcas encontradas no mercado garantem ágios expressivos sobre o custo efetivo dos produtos. As empresas gastam milhões de dólares a cada ano para promover a imagem de suas marcas. No Reino Unido, por exemplo, os gastos com a propaganda de marcas de café instantâneo chegaram a US$ 65 milhões em 1999, principalmente das marcas Nescafé, Kenco e Douwe Egberts, de acordo com uma pesquisa da Key Note.47 Usando diferentes marcas, as torrefadoras diferenciam seus produtos por meio de uma imagem e sabor específicos, evitando concorrer apenas umas com as outras no terreno dos preços. A fama das marcas também garante às torrefadoras mais poder de negociação com os varejistas que estocam seus produtos. Esse poder é exercido em negociações longas, duras e reservadas. Os varejistas mais importantes – os principais supermercados – também são bastante poderosos e têm garantido boas margens de lucro em suas vendas de café, lançando suas próprias marcas. Em alguns mercados, como nos da Alemanha e da França, os números indicam que os varejistas estão pressionando as torrefadoras para manter os preços em níveis muito baixos. No entanto, há um limite para o nível de pressão que estes podem aplicar sobre as quatro ou cinco grandes torrefadoras do mundo: eles sabem que o consumidor espera encontrar marcas clássicas em suas prateleiras.

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• Controle de custos
Outro fator que garante os lucros das torrefadoras é a forma pela qual estes são administrados. Em parte, isso resulta do uso da tecnologia. Por exemplo, se uma torrefadora consegue extrair mais café solúvel do grão do café, aumenta seus lucros. Um outro custo arcado pelas torrefadoras é, obviamente, o da matéria-prima: o grão verde. Mas, dependendo da empresa, a importância desse custo varia muito. Para a Nestlé, por exemplo, cuja principal atividade consiste na fabricação e na venda de café instantâneo, o custo do café em grãos verdes é menos importante do que para empresas que vendem café torrado e moído. Isso ocorre porque a Nestlé precisa investir em unidades de processamento e tecnologias de fabricação caras para criar seus produtos. Esse fato levou a Nestlé a argumentar, surpreendentemente, que não tem interesse em preços baixos para o café em grãos. Se esses preços forem baixos, seus custos serão, em parte, reduzidos – e analistas da Morgan Stanley estimam que “… os benefícios gerados pela baixa nos preços do café em 2001 só podem ter sido substanciais”.48 No entanto, a empresa afirma que o impacto geral pode ser negativo, pois quando os preços do café em grãos caem, seus concorrentes, que vendem café torrado e moído, podem baixar os preços no varejo de forma agressiva sem se preocupar com os grandes custos fixos de unidades de processamento de café solúvel, dos quais a Nestlé não tem como escapar. “A posição competitiva do café solúvel, como o Nescafé, em relação ao café torrado e moído é menos favorável num mercado de preços baixos”,49 afirma a empresa. Esse é um fator importante entre os que levaram a Nestlé a afirmar recentemente que gostaria de ver preços mais altos e estáveis para o café (veja a parte 3). As empresas que vendem café torrado e moído têm mais a lucrar com a queda nos preços do café em grãos, mas alguns desses benefícios podem ser anulados pela concorrência por uma fatia maior do mercado. Isso significa que elas talvez precisem transferir suas economias de custos para os consumidores, em forma de preços mais baixos. Em seu balanço de resultados para nove meses de 2002, a Sara Lee afirmou que os preços do café verde haviam forçado seus preços no varejo para baixo. Em combinação com outras questões (como despesas de comercialização mais altas), esse fenômeno havia gerado ‘que-

das nas vendas e no rendimento operacional’. Se em tempos difíceis a Sara Lee teve um nível de lucro de quase 17% com suas vendas de bebidas, imagine os lucros que ela deve ter em tempos favoráveis.

• Combinações de diferentes tipos de café: misturas flexíveis
As torrefadoras não precisam mais manter grandes estoques de café. Contratos assinados com empresas internacionais de comercialização garantem-lhes uma oferta constante de grandes volumes de diferentes tipos de café mediante pedidos de prazo relativamente curtos. Isso permite que combinem cafés de diferentes maneiras e ajustem suas misturas com crescente flexibilidade. Os países produtores se vêem sob uma pressão crescente à medida que as torrefadoras desenvolvem combinações cada vez mais baratas de café para produzir misturas padronizadas. Em sua análise dos mercados do café da África oriental, Stefano Ponte observou que “a variedade robusta de Uganda está ameaçada pelas mudanças de estratégias das principais torrefadoras… De modo geral, as empresas internacionais de comercialização argumentam que as torrefadoras desenvolveram maior flexibilidade em seus processos de misturar cafés e estão cada vez menos comprometidas em adquirir produtos de uma origem em particular”.50

• Mercados de futuro: financiamentos flexíveis
As torrefadoras dispõem de mecanismos extremamente avançados para administrar e minimizar riscos para custos com matérias-primas. Em vez de pagar o preço real de mercado, elas assinam contratos com comerciantes que lhes garantem proteção contra riscos da volatilidade de preços no futuro. Complexos modelos matemáticos permitem que, mediante um simples clique do mouse de computador, firmem hoje acordos nos mercados de futuro para preços a serem pagos pelo café que comprarão daqui a seis ou 18 meses. Esses instrumentos financeiros permitem que otimizem suas estratégias de compra – algo muito distante das opções de mercado que os produtores enfrentam.

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Novas tecnologias e técnicas: qualidade afetada
Novas tecnologias e técnicas aplicadas ao cultivo e processamento do café estão provocando efeitos preocupantes na qualidade do produto, além de impactos ambientais crescentes. Houve uma dupla queda de qualidade – a primeira, como resultado da crescente substituição da variedade arábica pela robusta, de qualidade inferior, e a segunda, em decorrência da queda observada na qualidade da própria variedade robusta. Essas tendências não são boas para os produtores, para os consumidores e para a sustentabilidade ambiental da produção do café. Também não são boas para as torrefadoras, particularmente porque afetam sua base de oferta de longo prazo. Elas próprias reconhecem o problema. “Os produtos que vendemos sob a marca Millstone (a marca de maior qualidade da P&G) dependem de grãos de boa qualidade. Estamos preocupados com a possibilidade de não termos café disponível em todos os níveis de qualidade”, admite a Procter & Gamble.51 E a Nestlé concorda: “O contexto atual de preços baixos tem um impacto muito negativo sobre a qualidade do café produzido, dificultando a tarefa da Nestlé de encontrar cafés com a qualidade necessária para a fabricação de seus produtos”, declarou a empresa.52

O setor como um todo reconhece a importância dessa mudança. “O aumento do uso de cafés de baixa qualidade e de preço mais baixo (por exemplo, do café do Vietnã), principalmente no continente europeu e na América do Norte, por pressão da concorrência, é a única falha óbvia dos países consumidores”, explica Paul Moeller, da empresa comercializadora de café Volcafe, numa análise da crise. Um analista do setor estima que, em média, o percentual da variedade robusta usado em misturas de cafés aumentou de cerca de 35% para 40% nos últimos cinco anos (embora a Sara Lee afirme que não). Em alguns casos, o perfil do gosto de países inteiros mudou. Embora a Alemanha costumasse importar principalmente a variedade arábica lavada, registrou-se na última década um aumento repentino nas importações das variedades robusta e arábica natural.55 Comentando sobre o crescimento das importações da variedade robusta, Bernhard Benecke afirmou: “Ficou simplesmente impossível resistir à tentação de usar uma proporção maior da variedade robusta na mistura”.56 Não se trata apenas de uma maior utilização da variedade robusta. Ocorreu também uma deterioração acentuada na qualidade dessa variedade. Atualmente, os compradores de café estão mais interessados em comprar cafés de categorias inferiores do que antes. Em Uganda, por exemplo, William Naggaga, secretário do conselho da Autoridade para o Desenvolvimento do Café do país, afirmou: “Consideremos o caso do café em grãos pretos não processados (resultado da colheita de frutos não maduros). Nós nunca o exportamos até que veio a liberalização. Ele era simplesmente jogado fora até que os mesmos compradores europeus passaram a se interessar por ele, afirmando que podiam usá-lo. Tivemos que pedir autorização ao Ministro para exportar o grão preto – porque ele não era considerado como uma categoria exportável em Uganda. Foi necessário obter permissão e mudar nossas regulamentações para podermos exportar os grãos pretos”.57 A unidade de comercialização da Kraft, a Taloca, foi a maior compradora de café vietnamita em 2001, de acordo com as estimativas de uma importadora de café sediada nos Estados Unidos. No ano passado, a Taloca comprou quase 1,2 milhão de sacas de café vietnamita, pouco mais que a Neumann, uma outra grande empresa comercializadora.

Novas tecnologias adotadas pelas torrefadoras: extraindo, até a última gota, tudo que o grão do café pode oferecer
As torrefadoras estão preocupadas com a queda na qualidade do café. No entanto, desenvolveram tecnologias que camuflam o gosto mais amargo do café mais barato e de qualidade inferior de forma a usar uma proporção maior desse café em suas misturas. Essas tecnologias começaram a ser desenvolvidas quando o preço da variedade arábica subiu abruptamente em 1997, incentivando-os para desenvolver maneiras de extrair mais dos grãos da robusta. “As torrefadoras aprenderam a aumentar a absorção dos cafés natural53 e robusta por meio de processos como a aplicação de vapor para eliminar o gosto mais amargo dessas variedades”, observa um relatório preparado pela USAID, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).54

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A Kraft reconhece a importância da qualidade: “Na situação atual, em que há grande produção mundial de café e consumo estagnado, a qualidade se tornará uma questão cada vez mais importante num mercado orientado para o comércio”.58 A empresa também é muito franca quando menciona os problemas de qualidade que enfrentou no Vietnã. Ela está particularmente preocupada com o fato de que “... problemas de qualidade e ambientais podem ser identificados em todos os estágios do processo de produção do café (naquele país)...” Um desses problemas é a técnica de colher todo o café dos cafezais de uma só vez (conhecida como strip-picking): “Como essa prática é comum na colheita de café da variedade robusta, o percentual de frutos verdes imaturos nas safras é alto, o que dificulta uma secagem adequada, tornando-a mais demorada”, observa a Kraft. O clima quente e úmido do Vietnã agrava a situação. Essas condições, de acordo com a empresa, levam a uma “deterioração na qualidade do café consumido”. Outros problemas enfrentados em anos anteriores incluíram a “doença da folha amarela”, provocada pela superfertilização dos cafezais, relatada em algumas partes do país. A Kraft descreve como práticas inadequadas de secagem adotadas nos cafezais do Vietnã obrigam a empresa a secar o café novamente antes de exportá-lo. “O café é submetido a um novo processo de secagem em fornos a lenha, carvão ou até utilizando pneus de borracha, cujo odor desagradável às vezes é absorvido pelo café”. Embora a Kraft tenha desenvolvido um esquema de melhoria de qualidade no Vietnã, este não é aplicado nas regiões que produzem café da variedade robusta (por exemplo, a região de Daklak). Isto “exigiria um enorme apoio financeiro com baixa expectativa de sucesso, em decorrência das grandes dimensões das áreas de produção, dos muitos problemas que apresentam e de sua infra-estrutura já fixa”. A Kraft e seus parceiros estão concentrando esforços em melhorar o café da variedade arábica.59

de arábica, mais que dobrou sua produção da variedade robusta nos últimos dez anos para quase 11 milhões de sacas.60 O paradoxo é que enquanto o mercado do café está saturado de robusta, a oferta de arábica, de qualidade superior, está sendo espremida até a última gota: existe uma quantidade excessiva de café barato empurrando os preços para baixo no mercado tradicional e uma quantidade insuficiente de café de qualidade no mercado dos cafés especiais. Como mostrado no gráfico abaixo, a oferta da variedade arábica vem caindo, em termos percentuais, em relação à oferta de café como um todo (veja a figura 10).61

Figura 10: Aumenta a produção de Robusta, cai a de Arábica...
Participação na produção mundial, %

Arábica Robusta

Abundância de robusta, escassez de arábica…
A entrada do Vietnã na grande liga de produtores de café certamente contribuiu para aumentar a produção mundial da variedade robusta, já que ela é, de longe, a mais cultivada no país. No entanto, há outros fatores envolvidos. O Brasil, que ainda produz principalmente cafés da variedaFonte: OIC/APPC (Associação dos Países Produtores de Café)

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Esse aumento na produção intensiva de café da variedade robusta tem afetado, acima de tudo, os produtores pobres, proprietários de pequenos cafezais. O café da variedade robusta tem diferentes classificações (o produzido no Vietnã, por exemplo, é diferente do produzido na Índia), mas essas diferenças não são muito apreciadas pelo consumidor ou pelos grandes compradores de café. A situação é diferente com o café da variedade arábica, já que os consumidores não se incomodam de pagar mais para beber um café arábica puro da Etiópia, da Colômbia ou da Costa Rica. Conseqüentemente, os produtores de robusta estão sendo forçados a concorrer cada vez mais com base em seus preços – e, por essa razão, na África subsaariana, por exemplo, onde os níveis de produtividade são baixos em relação aos do Vietnã ou do Brasil, os produtores não estão conseguindo sequer cobrir seus custos mais básicos de produção. Eles também não têm condições de simplesmente passar a cultivar o café da variedade arábica, que geralmente é mais lucrativo, pois a variedade é delicada e só pode ser cultivada em grandes altitudes. Muitos produtores também não têm as habilidades e os insumos necessários para cultivá-la.

As técnicas intensivas estão ameaçando a sustentabilidade da produção no longo prazo. Em muitos países, o café tem sido tradicionalmente plantado entre árvores que dão sombra, juntamente com outras lavouras para consumo próprio ou comercialização. Além de conservar o solo e as florestas, esse sistema protege o micro-clima. Na América Central, ele também cria um importante hábitat para pássaros migratórios. O cultivo intensivo levou à eliminação da sombra, visando uma produtividade maior. O café passou a ser cultivado ao sol e em regime de monocultura. Muitos produtores começaram a usar também variedades híbridas anãs, que se desenvolvem mais rapidamente e são mais produtivas em resposta a uma maior utilização de fertilizantes químicos. No Brasil, por exemplo, foram suspensas algumas restrições governamentais para a densidade de pés de café e para técnicas de plantio.62 A densidade dos pés de café tornou-se muito maior, passando dos tradicionais 900 a 1.200 pés por hectare para 5.000 a 8.000 pés. Produtores em diversos países atualmente adotam essas técnicas para produzir volumes maiores a custos mais baixos.63 Uma entidade científica, a CABI Commodities, confirma a ocorrência dessas mudanças: “O uso de variedades anãs híbridas, que se desenvolvem com maior rapidez e cuja produtividade aumenta muito com a aplicação de fertilizantes; o uso de variedades resistentes à ferrugem, que reduzem os custos com insumos; a eliminação de sombras, que aumenta a produção; e a mecanização, que permitiu à produção de café no Brasil deslocar-se de áreas densamente povoadas e sujeitas a geadas no sul para áreas menos povoadas e não sujeitas a geadas mais ao norte, são mudanças recentes. Métodos de produção intensiva foram promovidos por doadores, principalmente na América Central, como parte de uma tendência mundial de se promover uma produção agrícola mais intensiva”.64 Essas técnicas intensivas têm gerado uma produtividade sem precedentes, mas muitos observadores questionam se elas são sustentáveis e argumentam que não devem ser usadas como uma referência de produtividade a ser seguida por outros produtores.

Técnicas agrícolas intensivas reduzem a qualidade e degradam o solo
A maior concorrência entre os fornecedores tem levado à utilização de técnicas mais intensivas de cultivo de café, que ameaçam a qualidade do produto e o meio ambiente. O café é tradicionalmente colhido de forma seletiva, com um rígido controle de qualidade para garantir que somente os frutos maduros sejam apanhados. No entanto, com a queda nos preços, esses padrões têm caído também: a prática de colher todo o café de uma só vez e a colheita tardia tornaram-se cada vez mais comuns. A colheita de todos os frutos dos pés de café em fardos comuns, sem uma coleta individual, mistura frutos maduros e verdes; a colheita tardia – para economizar os custos – mistura os frutos pretos ou em decomposição com frutos em bom estado, levando à formação de mofo.

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Sem alternativas: commodities em baixa e o fracasso do desenvolvimento rural
Os produtores de café pobres travam uma grande luta. Os custos para abandonar este cultivo são substanciais e os produtores não dispõem de opções viáveis. Por um lado, em decorrência do fracasso das ações de doadores internacionais e governos nacionais em promover o desenvolvimento e a diversificação rurais e, por outro, em decorrência das políticas protecionistas da União Européia e dos Estados Unidos, que impedem os produtores de países em desenvolvimento de obter uma renda adequada cultivando outros produtos primários. Isso significa que atualmente muitos dependem de opções restritas. Além disso, como todos os produtores, os produtores de café enfrentam antigos problemas oriundos do subdesenvolvimento rural: infra-estrutura de transportes insuficiente, falta de opções de crédito, acesso restrito aos mercados e, portanto, pouca informação sobre os melhores preços possíveis.

dessa cultura instável para sobreviver. Por isso, a maioria dos proprietários de pequenos cafezais cultiva outros produtos para fins comerciais na mesma área e também cria galinhas e gado. Os mercados internos para os produtos que cultivam tendem a ser pequenos demais e oferecer preços baixos demais para substituir a renda que o café costumava proporcionar. O retorno gerado por muitas dessas culturas é tão baixo quanto o do café ou até mais baixo. Abarya Abadura, um produtor de café de Jimma, Etiópia, afirma: “Há três anos eu ganhava US$ 105 por ano vendendo meu milho. No ano passado, eu só consegui US$ 35”. Estima-se que o preço pago pelo milho, um produto muito consumido no país, tenha caído mais de 60% nos últimos cinco anos. Abarya explica a conexão: “Quando o preço do café cai, as pessoas ficam sem dinheiro suficiente para comprar milho”.66

A dependência de commodities com preços em baixa
O café não está sozinho em sua crise: os preços de muitas commodities, como os do açúcar, do arroz e do algodão também caíram e deverão cair ainda mais no longo prazo em decorrência de uma maior produtividade e do fato de sua oferta ter superado a demanda, como resultado de uma concorrência mais acirrada (veja a figura 11). Como o café, muitos desses outros produtos primários experimentam os altos e baixos de preços voláteis. Além de minar qualquer alternativa para os produtores, essa queda de preços de longo prazo também está devastando economias nacionais. Quanto maior a dependência de um país de commodities, mais devastador o impacto da queda de seus preços nos orçamentos governamentais. Na África subsaariana, 17 países dependem das exportações de produtos primários, sem contar o petróleo, para gerar 75% ou mais de suas receitas de exportação.67 Muitos desses países também têm pesadas dívidas a saldar e sua capacidade de arcar com esse ônus foi severamente minada. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) exacerbaram esse problema com a abordagem única, não diferenciada, que têm aplicado a todos os países de baixa renda: a concessão de empréstimos vinculados a ajustes estruturais. Trata-se do enfoque de gerar crescimento com base nas exportações e facilitar investimentos externos por meio da liberalização de barreiras comerci-

Falta de opções para substituir o café por outras culturas comerciais
A despeito dos apelos continuados para que os países diversifiquem sua produção e não dependam excessivamente de produtos primários, muitos deles nada fizeram nesse sentido: a África subsaariana, por exemplo, depende mais da venda de commodities atualmente do que há 20 anos.65 Trata-se de um enorme fracasso, em termos de políticas, em todos os níveis. Pode parecer economicamente irracional que os produtores continuem a vender café a um preço que não lhes permite satisfazer suas necessidades básicas, mas, na verdade, essa decisão é plenamente racional. Em primeiro lugar, os custos envolvidos na substituição dos pés de café por uma cultura alternativa são altos. Mesmo que a terra seja adequada para plantar cacau, por exemplo, eles podem não ter capacidade ou treinamento adequado para cultivá-lo. A maioria das famílias que vivem da terra não tem qualquer poupança que lhes permita sobreviver até que as novas culturas gerem seus frutos. Em segundo lugar, há uma séria carência de opções viáveis. Mais do que a maioria das pessoas, os produtores de café sabem como é perigoso depender exclusivamente

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ais, da desvalorização das taxas de câmbio e da privatização de empresas estatais. Ou seja, seu objetivo é essencialmente promover o livre mercado, de forma que cada país desenvolva sua própria ‘vantagem comparativa’. No entanto, o impacto direto dessa abordagem para as pessoas pobres é pouco considerado. Historicamente, os países de renda mais baixa dependem da produção de commodities primárias e, em muitos casos, o enfoque da liberalização e da chamada vantagem comparativa aumentou essa dependência. Além disso, a eliminação de tarifas ou de mecanismos de apoio à indús-

tria interna tem dificultado cada vez mais qualquer possibilidade de diversificação, por parte desses países, para empreendimentos industriais com maior valor agregado. Qualquer tentativa de proteger indústrias incipientes encontra forte resistência por parte do Banco Mundial e do FMI: alguns programas ugandenses concebidos para promover áreas estratégicas de exportação, como de processamento de pescados, com medidas para proteger esse setor incipiente, “foram ridicularizados por técnicos do Banco Mundial e do FMI”.68

Figura 11: Preços efetivos de commodities que não petróleo

Index 1900=100

Fonte: Banco Mundial

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Muito pouco valor é captado
Os países produtores quase não processam ou empacotam o café que produzem, o que significa que eles só retêm um percentual muito reduzido do valor em potencial do grão do café. Em 2000/1, verificou-se que 94% de todo o café exportado de países em desenvolvimento cruzaram a fronteira na forma de grãos verdes: a maior parte dos 6% restantes que foram processados veio do Brasil, da Índia e da Colômbia.69 O baixo valor agregado ao café é um problema que persegue muitos produtos primários. Uma consulta recente junto à FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) concluiu, entre outras coisas, que: “Os preços pagos aos produtores estão muito baixos, principalmente os preços que recebem por produtos alimentícios com setores de processamento altamente concentrados. Portanto, parece que a estrutura do mercado é uma área importante que precisa ser investigada. Os benefícios de se obter melhores informações sobre o mercado foram discutidos como uma maneira de melhorar o poder de barganha dos exportadores de produtos primários”.70 Ampliar o processamento do café no país de origem é uma medida essencial para aumentar o seu retorno. Mas, para a maioria dos países, as barreiras são altas. Para se construir uma unidade de processamento de café solúvel são necessários mais de US$ 20 milhões, embora seja mais barato torrar e moer o café. Mesmo que fosse economicamente viável processar o produto nos países em desenvolvimento, a ausência de outros insumos produzidos internamente, como embalagens de qualidade, seria outro obstáculo a superar. Uma alternativa consiste em estimular empresas transnacionais a investir em países produtores. A maioria delas, entre as quais não se incluem a Nestlé (e Sara Lee, já que também esta tem uma presença importante no Brasil, um grande consumidor de café), prefere não fazer isso. Suas altamente eficientes unidades de processamento nos Estados Unidos e na Europa representam um custo plenamente absorvido e ficam mais próximas do consumidor final, o que constitui uma vantagem para alguns tipos de café. A distribuição também enfrenta barreiras. Muitos cafés são vendidos na forma de uma mistura de diferentes origens. Os vínculos comerciais entre os países produtores

geralmente não são fortes e esse fato prejudica a sua capacidade de desenvolver suas próprias misturas regionais. As marcas dos países em desenvolvimento geralmente não têm o reconhecimento e o perfil de suas concorrentes. Superar o obstáculo de relações bem estabelecidas entre torrefadoras e varejistas de peso é uma batalha difícil, mas não impossível: Ismael Andrade, exportador de um café popular brasileiro, o Sabor de Minas, vende com sucesso para algumas das maiores redes varejistas do mundo, entre as quais a Wal-Mart e o Carrefour.71 Diferentemente do que ocorre com muitos produtos agrícolas, as tarifas de importação cobradas nos mercados de países ricos não constituem a principal barreira para a maioria dos produtores de café. Nos Estados Unidos, por exemplo, não são cobradas tarifas de importação de cafés processados oriundos de outros países, sejam eles torrados ou solúveis. Cafés processados de todos os países da África, Caribe e Pacífico, bem como de muitos países da América Latina (entre os quais a Colômbia, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua), podem entrar na União Européia sem pagar impostos. No entanto, outros países pobres, como Índia, Vietnã e Timor Leste, são obrigados a pagar taxas de 3,1% para café solúvel e de 2,6% para café torrado e moído, enquanto Brasil e Tailândia pagam tarifas de até 9% para o café solúvel.72 Empresas internacionais de comercialização estão cada vez mais ativas em países produtores. As torrefadoras compram grandes volumes de café de diversas origens dessas empresas mediante pedidos de curto prazo. Segundo Stefano Ponte, isso tem mudado a forma como as empresas comercializadoras trabalham: “A necessidade de garantir um abastecimento constante de diversos tipos de café de diferentes origens leva empresas internacionais de comercialização a ter uma presença mais forte nos países produtores do que teriam simplesmente em decorrência da liberalização do mercado”.73 Num cenário de menos restrições para investimentos externos, as empresas internacionais de comercialização estabeleceram subsidiárias locais ou passaram a negociar diretamente com os produtores. Em alguns casos raros, elas próprias são as proprietárias dos cafezais. Algumas dessas empresas mantêm vínculos muito estreitos com as principais torrefadoras. Essa mudança é confirmada por Lorenzo Castillo, da Junta Nacional do Café do Peru,

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que afirma: “As multinacionais querem reduzir seus custos. Com essa finalidade, tentam reduzir o número de intermediários entre elas e o produtor. Os mais vulneráveis à substituição são os exportadores. Para o produtor, o gancho é a disponibilização de créditos”.74 Moinhos, intermediários e até empresas comercializadoras nacionais de maior porte estão lutando para sobreviver, já que não dispõem dos recursos financeiros das grandes empresas internacionais para continuar operando na atual situação de crise. Em Uganda, por exemplo, o número de exportadores diminuiu de 150 para 20 na última década, de acordo com uma empresa de comercialização européia, e muitos dos que fecharam suas portas eram exportadores locais. Essa situação criou um vazio que empresas internacionais de comercialização mais capitalizadas e fortes procuraram ocupar. Na Tanzânia, por exemplo, Stefano Ponte observa que as multinacionais atualmente “controlam mais da metade do mercado de exportação, por meio de subsidiárias diretas, e uma outra fatia substancial desse mesmo mercado, por meio de contratos de financiamento assinados com empresas locais”.75 A crise está minando uma base empresarial local importante, enquanto os lucros das empresas internacionais de comercialização fluem de volta para os países industrializados, o que é preocupante.

aumenta a participação dos produtores no preço FOB (Free on Board, de exportação), porque reduz os custos na cadeia de comercialização e tem sido freqüentemente associada a impostos e tributos mais baixos, oferecendo menos oportunidades para a extração de renda econômica”.76 No entanto, esses benefícios tornaram-se insignificantes diante da baixa geral no preço do café.
A liberalização também trouxe muitas conseqüências adversas para os produtores. Onde os serviços governamentais deixaram de atuar, os mercados, em grande medida, também ficaram de fora: o que não causa nenhuma surpresa diante da crise dos produtos primários. Num momento em que os produtores estão mais expostos do que nunca aos caprichos do mercado, sua vulnerabilidade acentua-se pela redução de serviços de apoio e pela escassez de fontes alternativas de ajuda, afetando a qualidade do café que eles conseguem produzir e diminuindo seu poder de negociação no mercado.

Regulação inadequada
Alguns especialistas acreditam que o relaxamento dos controles anteriormente impostos à produção de café contribuiu para a queda da qualidade, principalmente da variedade arábica, que exige mais cuidados e insumos. Segundo o professor Christopher Gilbert: “A organização do mercado é muito importante para a produção da variedade arábica, muito mais do que para a produção da variedade robusta. A plena liberalização parece afetar adversamente a qualidade (da variedade arábica). Os melhores cafés da variedade arábica são produzidos em países que permitem algum nível de regulação (Colômbia, Costa Rica, Quênia)... Na minha opinião, os produtores do café arábica podem se sair melhor num sistema misto, com cooperativas (Quênia) ou órgãos estatais fortes (Colômbia). A regulação independente é crucial”.77

Metas de desenvolvimento rural não alcançadas
A desregulamentação dos mercados internacionais do café serviu de exemplo para a liberalização dos mercados internos de muitos países produtores, freqüentemente por pressão das políticas do FMI e do Banco Mundial. Organizações de café paraestatais, que em muitos casos atuavam como compradoras monopolistas do produto, foram gradualmente desmanteladas ou privatizadas. Os impostos e outros tributos cobrados sobre o café ficaram mais baixos e o controle estatal sobre a produção foi reduzido. Muitas restrições impostas a investimentos externos e à propriedade estrangeira foram eliminadas, particularmente nos setores de comércio e exportação. A desregulamentação trouxe alguns benefícios para os produtores: em muitos países, eles estão conseguindo um percentual mais alto do preço de exportação de seu café. O professor Christopher Gilbert explica: “A liberalização

Organizações de produtores e de trabalhadores sob ataque
Muitos dos supostos benefícios da desregulamentação dependem da disponibilidade de instituições e organizações de apoio que não existem. Além de muitos serviços de apoio terem sido eliminados, as organizações da sociedade civil que poderiam exercer pressões no sentido de

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desenvolver a capacidade de pequenos produtores de estabelecer novos vínculos com o mercado também se enfraqueceram. Pesquisas realizadas sobre a recente experiência da Etiópia mostram como as organizações de produtores, sendo bem administradas, podem desempenhar um papel crucial no estabelecimento de um piso para os preços do café. As cooperativas podem também ajudar os produtores a contornar os intermediários e a terem acesso a mercados de exportação de alto valor. O resultado disso é um retorno mais alto para os produtores individuais, além do financiamento de importantes serviços comunitários. Qualquer decisão de política pública, no sentido de apoiar essas estruturas, deve abordar o fato de que restrições impostas à participação de mulheres em cooperativas podem afetar sua capacidade de tirar proveito das oportunidades oferecidas por cooperativas e associações.

na falta de know-how sobre o ciclo de poda, capina e aplicação de matéria vegetal na base dos pés para assegurar o grau necessário de umidade às suas raízes. Os cortes em serviços de extensão de alguns países não têm permitido que seus produtores apliquem pesticidas nos cafezais com a regularidade necessária, aumentando a incidência de doenças. A falta de know-how técnico também afeta a capacidade dos cafeicultores de produzir um fruto de melhor qualidade ou de aumentar o valor do café por meio de um processamento básico.

Empréstimos pendentes, novos créditos indisponíveis
A baixa de preços impossibilitou que muitos produtores quitassem suas dívidas. Uma pesquisa sobre os cafeicultores do Vietnã indica que mais de 60% deles não conseguem quitar seus empréstimos.80 A necessidade de saldar dívidas freqüentemente impede que os produtores esperem por um momento mais oportuno para vender o café e os força a aceitar o preço oferecido pelas empresas que comercializam o produto. Carmela Rodriguez, uma produtora de 56 anos de Sauce, Peru, diz: “Ouvimos dizer que os preços às vezes são melhores em Tarapoto, Moyobamba ou Jaen, mas é difícil para nós levar (o nosso café) até lá e não podemos armazená-lo por causa das dívidas. Não podemos nos dar a esse luxo”.81 À medida que a inadimplência aumenta, diminui a disponibilidade de novas linhas de crédito – na verdade, o crédito rural simplesmente deixou de existir em muitos países. Quando as cooperativas ficam imobilizadas por falta de crédito, os produtores precisam recorrer aos comerciantes locais. Segundo Mohammed Indris, produtor de café da Etiópia: “As compras da cooperativa mantinham os preços altos. No ano passado, a cooperativa não conseguiu comprar frutos maduros de café não processados em decorrência de dificuldades financeiras. Quando as empresas perceberam isso, elas baixaram seus preços de US$ 0,11/kg para US$ 0,06/kg”.82 A falta de crédito deixa os produtores particularmente expostos nos duros meses que precedem a colheita. Alguns conseguem comprar alimentos a crédito em troca da safra ainda não colhida; outros oferecem suas terras como garantia, embora nem todos tenham títulos das propriedades. Outros ainda são forçados a vender seus ativos. As mulheres ficam numa situação particularmente desvan-

Escassez de informações
Muitos produtores sofrem com a falta de informações – sobre preços correntes ou novas técnicas de colheita, por exemplo –, o que reduz a qualidade e o preço de seus produtos. A Autoridade para o Desenvolvimento do Café de Uganda (UCDA) costumava divulgar previsões de preços para o produto por meio de oito estações de rádio, mas o programa deixou de ser transmitido, em parte em decorrência dos baixos preços do café. Há planos para reativálo, mas os produtores perderam valiosas informações desde que ele saiu do ar. O Instituto do Café de Honduras relata que os cafeicultores do país não estão conseguindo, sistematicamente, tirar proveito de qualquer alta no preço do café.78 Na Etiópia, a situação é a mesma: em abril de 2002, os exportadores sabiam que o preço havia melhorado,79 mas os produtores, desinformados dessa alta, não tiraram qualquer proveito dela.

Treinamento e apoio insuficientes
O know-how técnico é crucial para o aumento da produtividade e a agregação de valor. Estudos sugerem que a produtividade de pequenos cafezais em alguns países produtores da África é muito baixa: inferior a 500 kg por hectare. No Vietnã, a produtividade média é de 1.500 a 2.000 kg/hectare. A diferença não reside apenas no fato de menos insumos estarem disponíveis na África, mas também

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tajosa, já que em alguns lugares elas não podem ter títulos de propriedade de terras, dificultando ainda mais a obtenção de qualquer crédito.

Ajuda cada vez menos disponível e adoção de duplos padrões: produtores traídos pelos doadores
Os países doadores contribuíram diretamente para essa crise. Em primeiro lugar, por negligenciarem profundamente investimentos em desenvolvimento rural. Em segundo lugar, por exacerbarem o problema com a adoção de duplos padrões que estimularam os países em desenvolvimento a abrir seus mercados, enquanto eles próprios impunham pesadas medidas protecionistas para mantêlos fora dos mercados dos países ricos, restringindo suas opções a uma gama limitada de produtos primários. O resultado é uma clara traição e uma negação de oportunidades agrícolas aos países em desenvolvimento. O apoio ao desenvolvimento rural – algo imprescindível para milhões de produtores dos países mais pobres do mundo – está diminuindo, como mostra a figura 12. A Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE) salienta os compromissos não cumpridos de seus países membros: “A ajuda para agricultura, que já estava ficando estagnada no início da década de 1980, diminuiu a partir de 1985 a uma taxa anual média de 7%. Conseqüentemente, essa ajuda caiu de uma cota de 17% no início da década de 1980 para 8% no final da década de 1990. Essa queda pode ser parcialmente explicada por cortes na ODA (Assistência Externa ao Desenvolvimento) de um modo geral, mas também por mudanças nas políticas setoriais dos doadores (da agricultura e de outros setores produtivos para setores sociais). É plausível que a exclusão da agricultura da agenda de redução da pobreza da década de 1990 explique, em parte, essa queda”.84 Considerando a dependência de tantas pessoas pobres da agricultura como um meio de vida, essa queda é estarrecedora. “Segundo estimativas da OCDE, a Assistência Externa ao Desenvolvimento concedida para atividades agrícolas representa, atualmente, 8% de toda a ODA: 8% para apoiar três quartos dos pobres”, afirma Lennart Bage, presidente do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola da ONU.85 Os países ricos têm demonstrado recentemente grande habilidade no uso de duplos padrões no comércio. O exemplo mais notório desse fato é o novo projeto de lei dos Estados Unidos para a agricultura. Em 2000, os países ricos concederam US$ 245 bilhões86 em subsídios aos seus

Infra-estrutura rural inadequada
A crônica falta de investimento em transportes rurais em muitos países tem gerado altos custos, principalmente para pequenos cafeicultores que não produzem um número suficiente de sacas de café para justificar o custo de uma caminhonete que transporte seus frutos não processados até o moinho local. Mesmo quando usam caminhonetes, os custos por quilômetro são muito mais altos do que seriam se usassem estradas pavimentadas: uma pesquisa realizada pela Oxfam em Uganda indica que o custo de transporte de uma saca de café por apenas 15km até o moinho local não é muito inferior, proporcionalmente, ao custo para se transportar a mesma saca por 100km, do moinho até Kampala. A ausência de boas estradas constitui um verdadeiro problema para os produtores. Um deles diz o seguinte: “Eu me chamo Avelios Asuego. Sou um pequeno produtor de café orgânico da Guatemala. Gostaria de lhes contar um pouco da minha história pessoal. Só para vocês terem uma idéia de como estamos isolados do mundo moderno, temos que andar durante quatro horas para chegar até a estrada pavimentada mais próxima da minha comunidade. De lá, temos que rodar mais três horas de carro com muito cuidado, porque a condição das nossas estradas não é nada boa. Só então chegamos até onde estacionamos o carro e deixamos nosso café para ser vendido”.83 A falta de acesso a itens básicos, como mesas de secagem e moinhos de processamento, afeta a qualidade do café produzido por esses pequenos produtores. A maioria deles seca seu café ao sol – mas por falta de acesso a mesas adequadas de secagem ou a know-how para construí-las, eles espalham os grãos diretamente na terra. Os frutos da variedade arábica devem ser processados na maior brevidade possível após serem colhidos. No entanto, quando não existem moinhos próximos para processamentos em pequena escala, os pequenos produtores precisam colher um volume suficiente de café antes de transportá-lo – e esse atraso pode ocasionar o surgimento de mofo nos grãos.

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produtores rurais. Os subsídios concedidos atualmente, com ênfase no aumento da produção, têm efeitos devastadores para produtores pobres nos países em desenvolvimento. Seus efeitos são muito nocivos porque distorcem o mercado e permitem que os produtores dos países ricos vendam seus produtos a preços muito baixos nos mercados mundiais. Os produtores pobres não conseguem concorrer em bases tão injustas. Os países ricos também aplicam barreiras tarifárias a bens dos quais muitos países em desenvolvimento dependem para gerar receitas de exportação: produtos agrícolas e produtos manufaturados com alto coeficiente de mão-deobra. Os países em desenvolvimento gastam em torno de US$ 43 bilhões por ano com o pagamento de tarifas de importação.87 Os injustos subsídios e tarifas de importação dos países ricos têm um impacto forte sobre os produtores de café:

eles limitam suas opções e, portanto, são também responsáveis, em parte, pelo problema mais amplo dos produtos primários. Um artigo sobre a Nicarágua, publicado no Wall Street Journal, levantou a seguinte questão: “Outros produtores (de café) mencionam a possibilidade de passar a cultivar outros produtos. No entanto, a experiência de produtores que plantaram amendoim ou gergelim os desestimula. Esses produtores estão quase falindo após tentarem concorrer com os produtores dos Estados Unidos, que recebem generosos subsídios de Washington”.88 Os países da África subsaariana são os mais afetados. Seus governos propuseram um plano de ação com a Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD). A resposta dos governos dos países ricos foi decepcionante.

Figura 12: Ajuda decrescente para a agricultura: 1973-2000
Média móvel de cinco anos, preços constantes de 1999

Todos os doadores G7 (Grupo dos sete países mais ricos do mundo) Multilaterais

Milhões de US$

Fonte: estatísticas de CRS e DAC

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Annie Bungeroth/OXFAM

O mercado dos cafés especiais – uma alternativa interessante? Não para todos…

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Maria, Janet, Eduarda e Felicia tomam um cafezinho numa pausa de seu trabalho na fábrica de processamento de café de Chiclayo, em Piura, Peru. A fábrica fornece café em grãos à Café Direct para o mercado do Comércio Justo.

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3. O mercado dos cafés especiais – uma alternativa interessante? Não para todos…
Em contraste com a baixa registrada nos preços dos cafés tradicionais, os cafés ‘especiais’ – novos tipos vendidos a preços mais altos por sua qualidade superior – têm obtido um grande sucesso. Os vendedores diferenciam esses produtos salientando país de origem, enfatizando características particulares ou indicando que são orgânicos, cultivados à sombra ou comercializados de acordo com as práticas do movimento do Comércio Justo. Os produtores que vendem seus produtos nesse mercado freqüentemente conseguem um preço muito melhor para suas safras. Os pioneiros dessas opções populares não foram as torrefadoras tradicionais, e sim os cafés, que familiarizaram clientes ocidentais com o café latte, o cappuccino e o café expresso. Uma das maiores cadeias de cafés, a Starbucks, declarou sua intenção de adquirir todo o seu café de produtores que satisfazem novas diretrizes sociais e ambientais e de comprar 74% do café verde a preços fixos e de longo prazo, garantindo, assim, estabilidade e previsibilidade para os produtores em 2002. O mais interessante, no entanto, é que o argumento comercial de que essas medidas são necessárias para garantir a qualidade do café tenha sido colocado para os investidores e aceito por eles. Os consumidores ficarão interessados em verificar se os pequenos produtores colherão algum benefício desse esquema. Aqui e ali, cooperativas de países produtores estão se associando a comerciantes e lojas de cafés especiais em países consumidores para mudar a forma pela qual o café é comprado e vendido. Na Nicarágua, por exemplo, dois pequenos produtores venderam recentemente sua variedade arábica especial num leilão realizado pela Internet por US$ 11,75 a libra, ou cerca de 23 vezes o preço pago pela variedade em Nova Iorque.89 Um elemento-chave para o desenvolvimento desses cafés especiais e a divulgação de informações sobre eles é a realização de concursos que recompensam a melhor qualidade. Preços melhores e ágio cobrado em função da qualidade tornam o mercado dos cafés especiais particularmente atraente para produtores e países que tentam se livrar da armadilha dos preços baixos e da baixa qualidade. Casos bem-sucedidos são freqüentemente citados como exemplos que geram esperança para outros produtores à procura de opções viáveis. No entanto, é crucial que governos e indústria de um modo geral considerem adequadamente o risco de estimular todos os produtores a optarem pela mesma alternativa. Um mercado de produtos especiais perderá sua singularidade e capacidade de pagar preços altos se ficar superabastecido e o consumo não crescer com ele.

O Comércio Justo: um raio de esperança
“No setor do café, o movimento do Comércio Justo mostrou claramente que os produtores podem conseguir preços duas vezes mais altos que os atuais preços desastrosamente baixos sem afetar a disposição dos consumidores de comprar um produto de boa qualidade.” – Paulo Dubois, chefe de operações, Organização Internacional do Café
No clima atual, o movimento do Comércio Justo tornouse um salva-vidas para muitos produtores. Este movimento originou muitas iniciativas comerciais que geram lucro, mas não perdem de vista o objetivo explícito de melhorar a vida dos produtores dos quais adquirem café. O movimento do Comércio Justo baseia-se num princípio essencial: o compromisso de pagar um valor justo aos produtores – um preço que cubra seus custos e seja estável. Os produtores de café da variedade arábica, por exemplo, recebem pelo menos US$ 1,26 por libra,90 bem mais que o dobro do preço de mercado. O primeiro café comercializado em bases justas foi importado, em 1973, pelos Países Baixos de cooperativas de pequenos produtores guatemaltecos. Trinta anos depois, quase 200 cooperativas de café, que representam 675 mil produtores, mais de 70 comerciantes e cerca de 350 torrefadoras, trabalham com base nos padrões da FLO (Fairtrade Labelling Organisations International) para colocar produtos no mercado de uma maneira que garanta um retorno decente para seus produtores.

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Enfatizando fortemente mecanismos de gestão e estruturas organizacionais cooperativas, o movimento do Comércio Justo empenha-se em fazer com que as pessoas envolvidas na cadeia de fornecimento do café trabalhem com base em condições transparentes de comércio e garantam condições decentes de produção, eliminando, ao mesmo tempo, alguns dos principais obstáculos que inviabilizam o acesso de produtores pobres ao mercado. Entre outras medidas tomadas pelo movimento, podemos citar o pré-financiamento parcial de pedidos, para evitar que organizações de pequenos produtores fiquem endividadas; o pagamento de um ágio para uso em regime de acordo mútuo entre os produtores; compromissos contratuais que permitem aos produtores desenvolver um planejamento de longo prazo para a sua produção; e a garantia de condições sociais e ambientais que reflitam as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O padrão estabelecido pela FLO para o café consiste em um esquema voluntário financiado por taxas pagas por proprietários de marcas a título de licença. A garantia de termos e condições decentes para os produtores é monitorada pela FLO em regime de cooperação com órgãos nacionais, enquanto organizações como a Max Havelaar (Países Baixos, Bélgica, França, Suíça, Dinamarca), a TransFair USA (América do Norte) e a Fundação Fairtrade (Reino Unido) administram e promovem diferentes marcas de certificação em seus respectivos mercados consumidores. Como um dos impactos mais importantes, o movimento do Comércio Justo tem melhorado muito as condições de vida dos produtores, que conseguem vender café a preços que os possibilitam satisfazer suas necessidades básicas. Na Cooperativa de Produtores de Café de Oromiya, na Etiópia, por exemplo, os cafeicultores conseguem até 70% do preço de exportação pelo produto vendido no âmbito do movimento do Comércio Justo, enquanto os produtores da zona de Jimma da província de Kafa, na Etiópia, que vendem no mercado aberto, só alcançam 30%. Felipe Huaman, da Cooperativa de Bagua Grande, Peru, que vende café no mercado do Comércio Justo, explica: “Desde que nos aliamos à Twin e à Café Direct, nossos preços começaram a subir, melhorando as condições de vida das famílias dos produtores. Essa é a nossa maior recompensa e o que mais apreciamos”. Ter um preço melhor certamente é importante, mas um estudo indica

que os benefícios indiretos para as organizações de produtores podem ser ainda mais interessantes.91 Em segundo lugar, o movimento do Comércio Justo tem provocado impactos benéficos para o meio ambiente. Em decorrência do enfoque em pequenos produtores e da ênfase em técnicas sustentáveis de produção, a maior parte do café comercializado no âmbito do movimento é cultivada à sombra, com todas as vantagens em termos de biodiversidade que esse tipo de cultivo oferece em relação ao produto cultivado ao sol. A polpa do café produzida no primeiro estágio de processamento é usada como matéria orgânica nos cafezais, evitando a diminuição dos níveis de oxigênio e a poluição dos rios. Em terceiro lugar, o movimento do Comércio Justo representa a ameaça de um bom exemplo para as grandes empresas de café. Ao enfatizar indiretamente o fato de que os produtores que vendem seu café no mercado tradicional só conseguem preços insuficientes até mesmo para cobrir seus custos de produção, a simples existência do movimento do Comércio Justo acarretou um sério risco para a reputação de empresas cujos produtos são muito suscetíveis aos sentimentos do consumidor. Como a Kraft reconhece, “desde o início da década de 1990, um número crescente de organizações comerciais entrou em atividade, oferecendo marcas de café sob diversos rótulos de ‘comércio justo’ ou ‘ecológicos’, as quais concorrem com o comércio convencional do café com base em argumentos éticos. Como a demanda pelo Comércio Justo e/ou pelo café ecológico tem sido apenas moderada, ela só gerou pequenas empresas, mas grandes problemas de imagem para a indústria tradicional do café como um todo”.92 Inicialmente, as empresas tradicionais de café opunhamse fortemente ao termo ‘Comércio Justo’ em decorrência da implicação de que outros bens estariam sendo comercializados em bases injustas. A Nestlé chegou a produzir um panfleto contra as reivindicações do movimento. Posteriormente, elas adotaram a atitude de ‘se é impossível vencê-los, una-se a eles’ e algumas passaram a comprar uma parcela reduzida de seu café de produtores associados ao movimento do Comércio Justo ou pelo menos a pagar um ágio sobre a taxa de mercado. Atualmente, essas empresas argumentam que suas atividades no âmbito do movimento do Comércio Justo continuam reduzidas em função de uma demanda limitada.

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Mas essa demanda pode ser desenvolvida e ampliada, como os proprietários de marcas importantes sabem muito bem. Quando a opção está disponível, os consumidores optam cada vez mais por uma postura ética: em todo o mundo, as vendas de café no âmbito do movimento do Comércio Justo cresceram 12% em 2001,93 contra um aumento geral no consumo de café de apenas 1,5%. O café torrado e moído, comercializado no âmbito do movimento do Comércio Justo, responde atualmente por mais de 7% do mercado do Reino Unido e por cerca de 2% do mercado do café como um todo. A Café Direct, uma das principais marcas do movimento do Comércio Justo e na qual a Oxfam tem participação acionária, ocupa a sexta posição no mercado de café do Reino Unido – muito à frente da marca italiana Lavazza.94 Nos últimos três anos, mais de 140 empresas começaram a vender produtos certificados pelo movimento do Comércio Justo nos Estados Unidos, em cerca de 10 mil pontos de varejo espalhados por todo o país: o mercado cresceu 36% só em 2001. Alguns economistas criticam o movimento do Comércio Justo, argumentando que os preços altos levam produtores, que estariam em melhores condições se optassem por outras culturas, a continuar produzindo café, o que exacerba a superoferta no longo prazo. Independentemente do fato de o princípio do Comércio Justo poder ou não ser aplicado ao mercado tradicional, a Oxfam acredita que a falta de outras possibilidades e a ausência de redes de segurança oferecidas pelos governos a produtores pobres tornam esse tipo de apoio uma tentativa plenamente justificável e adequada de se lidar com o custo humano imposto pelos rigores do livre mercado. A despeito do sucesso alcançado, o movimento do Comércio Justo não conseguirá, por si só, solucionar a crise, em decorrência do persistente desequilíbrio entre a oferta e a demanda. Isso não significa que as empresas tradicionais não possam assumir um compromisso mais sólido no sentido de comprar café comercializado com base nos princípios do Comércio Justo: elas podem e devem fazer isso. São necessárias, porém, iniciativas mais amplas para se fazer frente aos atuais desequilíbrios dos mercados tradicionais.

As marcas de cafés especiais estão captando um alto valor
Alguns países produtores têm se beneficiado do mercado de cafés especiais, desenvolvendo marcas específicas para cafés de qualidade e estabelecendo uma reputação e um nicho de mercado. A Jamaica cultivou sua marca Blue Mountain e a Índia a Monsooned Malabar, ambas muito apreciadas. A Colômbia é citada como uma outra história de sucesso nessa área: seus grandes investimentos em marketing, associados à prestação de serviços de extensão para os cafeicultores, garantiram a produção de um café de alta qualidade, vendido com ágio, com as marcas Juan Valdez e Café de Colombia. No entanto, mesmo esses países bem-sucedidos já enfrentaram tempos difíceis. Como as receitas do café caíram, as autoridades responsáveis pelo produto na Colômbia foram forçadas a cortar parte de suas despesas com o marketing da marca Juan Valdez.

Correndo para a mesma saída?
As iniciativas que ajudam os produtores a concentrar seus esforços no mercado dos cafés especiais fazem sentido, considerando que essa é a parte do mercado em expansão nos países ricos. No entanto, torna-se vital que empresas e governos – tanto dos países consumidores como dos produtores – reconheçam que essas iniciativas só podem ser parte de uma solução geral. Nem todos os produtores pobres têm condições de entrar no mercado especial dos cafés da variedade arábica. Se um número excessivo deles tentasse entrar nesse segmento do mercado, este deixaria de ser um nicho capaz de garantir preços altos. Simplesmente apoiar produtores no mercado dos cafés especiais não pode ser uma solução para os problemas sistêmicos que afetam milhões de produtores. O fenômeno de todos correrem para a mesma saída – conhecido na economia como ‘a falácia da composição’ – tem sido uma marca registrada do setor dos produtos primários há décadas e uma questão não abordada de forma conveniente pelas instituições internacionais. O Banco Mundial e o FMI têm contribuído para exacerbar a crise do café nesse particular, pois não orientam adequadamente os países produtores em relação ao impacto do aumento da produção sobre os preços mundiais. O Banco Mundial tem uma unidade que se dedica a rastrear e prever os preços mundiais das commodities,95 mas

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suas previsões são sempre excessivamente otimistas, emitindo para os países produtores sinais equivocados de futuras melhoras no mercado. O Banco Mundial e o FMI produziram recentemente um documento que estima a perda das receitas de exportação decorrente da queda nos preços dos produtos primários em 1,5% a 2% do PIB para os 24 Países Pobres Altamente Endividados em 2000 e 2001.96 Solicitaram também financiamentos adicionais dos doadores para permitir pagamentos complementares a países que estão sofrendo choques, como intensas baixas nos preços de produtos primários. Os governos de países doadores devem disponibilizar os recursos imediatamente. Além disso, faz parte das funções essenciais das instituições financeiras internacionais orientar governos que tomam empréstimos sobre riscos e desvantagens de aumentarem sua produção e sugerir estratégias alternativas. No entanto, essas instituições não têm desempenhado este papel de forma alguma. Em Burundi, por exemplo, onde o café responde por 80% das receitas de exportação, o Banco Mundial produziu recentemente um relatório que não identificou o risco da enorme dependência do país no café, embora este contenha uma seção inteira sobre outros riscos potenciais.97 Um outro relatório do banco identifica o café como ‘uma fonte de crescimento’.98 Da mesma maneira, na Etiópia, uma avaliação conjunta do FMI e do Banco Mundial sobre o Documento Interino de Estratégia de Redução da Pobreza (PRSP), não levanta o problema da superdependência do café, a despeito de que esta questão foi claramente deixada de lado nos planos do governo de promover uma ‘Industrialização Baseada no Desenvolvimento Agrícola’.99

zação Mundial do Comércio (OMC) é impressionante. Só a Nestlé se manifestou sobre a necessidade de uma abordagem coordenada e internacional para a gestão da oferta do café. “A Nestlé é contra preços baixos porque eles são ruins não apenas para os produtores, mas também para os negócios da empresa... Portanto, a Nestlé apóia iniciativas que tenham por finalidade promover uma melhor gestão da oferta, reduzindo a volatilidade e mantendo os preços do café dentro de faixas que proporcionem um meio de vida satisfatório para os produtores e permitam que o consumo cresça. Isso inclui mecanismos semelhantes ao Acordo Internacional do Café”.100 Nem todas as empresas reconhecem com a desenvoltura necessária sua responsabilidade de ajudar os produtores a superar dificuldades. Algumas delas ainda se recusam a admitir que a situação dos produtores exija sua intervenção. Elas fizeram uma sondagem inicial sobre como agir nesse sentido na reunião de cúpula da Associação Nacional do Café dos Estados Unidos, em fevereiro de 2002, intitulada In Search of Global Solutions (Em Busca de Soluções Globais), que identificou oito opções a serem consideradas pelo setor ao abordar o problema. As opções indicadas incluíram a educação de produtores na diversificação de lavouras, o uso de contratos de longo prazo e firmados com independência por parte das torrefadoras e mais acessibilidade, conveniência e opções em termos de qualidade para consumidores de café. Uma nítida falta de senso de urgência caracterizou o evento: a reunião da diretoria da organização, convocada durante o evento para discutir a priorização de três dessas oito opções, só foi realizada três meses depois. Embora não existam soluções fáceis, a complexidade não deve ser uma desculpa para a inércia. O Banco Mundial adverte que “a persistirem as tendências atuais, como muitos prevêem, a crise do café pode evoluir para uma crise social e ambiental de grandes proporções”.(101) Para evitar isso, faz-se necessário um esforço internacional harmonizado com a participação de todos os principais atores envolvidos no comércio do café e de organizações capazes de trazer a dimensão do desenvolvimento para a mesa de negociações. Diferentes atores poderão desempenhar papéis diferentes e complementares. O mais importante, no entanto, é que chegou a hora dos líderes do comércio mundial e das grandes torrefadoras de café se envolverem com o problema.

Não há justificativa para a inércia
As principais torrefadoras não estão enfrentando com seriedade o círculo vicioso dos preços baixos e da baixa qualidade, do qual o mercado do café não consegue se livrar, certamente expondo a atividade básica dessas empresas a riscos. Algumas delas adotaram medidas ad hoc e limitadas em relação à qualidade do café ou a questões relacionadas ao meio ambiente, mas estas não possuem a escala necessária para combater a crise. O contraste entre esse fato e a energia política gasta por empresas e governos ricos em promover mudanças em relação às ‘novas questões’ (new issues) relacionadas às regras de investimento e concorrência na próxima rodada de negociações da Organi-

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Rupert Elvin

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Saindo da crise: uma estratégia de ação

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4. Saindo da crise: uma estratégia de ação
Na visão da Oxfam, um mercado de café que opere a favor dos pobres exige ações por parte de muitos atores em cinco frentes: • restauração do equilíbrio entre oferta e demanda • restauração da qualidade e aumento da produtividade • preços mais altos, revitalização de meios de vida • manutenção e desenvolvimento da capacidade de agregar valor • estabelecimento de opções efetivas para o desenvolvimento rural. São necessárias ações imediatas para superar o colapso dos preços, mas também políticas e práticas novas e de longo prazo para apoiar os produtores no processo de transição à medida que o mercado se reequilibra. Governos e organismos multilaterais precisam se manifestar claramente e sem demora sobre a crise do café. Eles precisam catalisar apoio político para o argumento de que a baixa nos preços deste e de outros produtos primários constitui um problema comercial de suma importância – embora o mercado do café, amplamente desregulamentado, não seja uma questão a ser abordada no âmbito da OMC – e exigir que os países ricos ataquem o problema com o mesmo vigor com que tratam temas relacionados a investimentos ou serviços. Essas mesmas autoridades comerciais devem pressionar os gigantes do café no sentido de que assumam responsabilidades sociais em suas atividades corporativas e se comprometam, até mesmo em seu próprio interesse, a fazer a sua parte para solucionar a crise. a um aumento no preço do café de 20% em relação aos preços médios praticados em 2000/1, gerando entre US$ 700 milhões e US$ 800 milhões em receitas adicionais de exportação para os países produtores de café.102 Existe um potencial real para as torrefadoras fazerem mais em termos do que elas próprias consideram seu papel: ampliar e desenvolver o mercado do café. Seu desempenho nessa área tem sido desanimador: elas são responsáveis por grandes perdas de participação no mercado de bebidas em países ricos, como os Estados Unidos. Poderiam se dedicar muito mais ao desenvolvimento de uma nova demanda em mercados emergentes, em vez de lutar para manter seus clientes atuais nos Estados Unidos e na Europa. Num prazo mais longo, será necessária uma colaboração muito maior entre diferentes atores no sentido de encontrar mecanismos baseados no mercado capazes de impedir um desequilíbrio tão acentuado entre oferta e demanda. Isso exigirá uma liderança internacional que reúna todas as partes para discutir uma ação comum. O acordo resultante deverá incluir intervenções no mercado com vistas a administrar a oferta.

Restauração da qualidade e aumento da produtividade
A restauração da qualidade é fundamental para aumentar o valor do grão do café. A proposta mais importante para a crise em âmbito internacional é o Esquema de Melhoria do Café, apresentado pela OIC. Este deve ser implementado no final de 2002, com objetivo de eliminar a exportação do produto cuja qualidade esteja abaixo de um determinado patamar. Se esse esquema for implementado na íntegra, poderá eliminar do mercado internacional entre 3% e 5% de todo o café produzido no mundo, interrompendo o ciclo destrutivo dos atuais incentivos à produção de cafés de baixa qualidade. O esquema precisa de apoio financeiro, principalmente para que seu impacto em produtores e países pobres seja devidamente avaliado. Deverá, ainda, prever algum mecanismo de apoio para os produtores pobres de cafés de qualidade mais baixa, particularmente aqueles com limitações tecnológicas e países com mercados internos reduzidos.

Restauração do equilíbrio entre oferta e demanda
Como prioridade imediata, os governos e as empresas devem assumir o compromisso de destruir cinco milhões de sacas de café de qualidade extremamente baixa, mantidas em estoque nos países importadores. Essa ação custaria cerca de US$ 100 milhões e emitiria um sinal imediato para o mercado. Segundo uma análise econômica realizada a pedido da Organização Internacional do Café, isto poderia levar

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Os produtores rurais de pequeno porte têm, potencialmente, condições de produzir um café de qualidade muito boa. Eles podem ser mais cuidadosos na colheita de frutos maduros do que os proprietários de grandes cafezais mecanizados. No entanto, existem muitos outros fatores que determinam a qualidade, em relação aos quais os pequenos produtores necessitam de ajuda, bem como de estruturas para garantir que sejam recompensados pela qualidade. Precisam de ajuda, por exemplo, para adotar melhores práticas de processamento, para desenvolver sua capacidade técnica e de comercialização e para ter mais poder nas negociações, desenvolvendo-as por meio de organizações de produtores. Os países com mercados internos muito limitados precisarão de apoio, porque não conseguirão exportar seu café de qualidade mais baixa no âmbito do esquema da OIC e esse excedente não será facilmente absorvido por compradores internos. O esquema de qualidade da OIC representa uma iniciativa de importância crucial dos países produtores, mas ainda não conta com o apoio necessário das torrefadoras e dos governos de países consumidores. Seu apoio – por meio de compra e monitoramento de importações – será essencial para que o esquema seja bem sucedido no mercado. Talvez se deva aumentar a produtividade na base da pirâmide – por exemplo, de produtores de café da variedade robusta em alguns países da África subsaariana. Qualquer apoio governamental nesse sentido, no entanto, deve ser cuidadosamente analisado para não acentuar o problema da superoferta. Aumentar a produtividade de forma que a mesma quantidade de café possa ser produzida em áreas menores significa liberar terras e recursos para outros usos, proporcionando mais opções aos produtores sem ampliar a superoferta. Como um exemplo de ação, podemos citar um programa desenvolvido pela Autoridade para o Desenvolvimento do Café de Uganda (UCDA) destinado a doar mudas de um café híbrido mais produtivo. Trata-se de uma iniciativa que reconhecidamente ajudou os produtores ugandenses a se tornarem os mais produtivos da África. A UCDA administra cerca de mil viveiros e espera distribuir 30 milhões de mudas este ano.

bém têm se envolvido em projetos concebidos para ajudar os cafeicultores a controlar pestes, um problema de grandes proporções que afeta sua renda num momento em que esta não poderia estar mais baixa. Seguindo a mesma linha, algumas empresas têm concedido recursos para ajudar a melhorar a qualidade do café. Tanto a doação de US$ 1,5 milhão da Procter & Gamble para a TechnoServe como a doação de US$ 500 mil feita pela Starbucks e pela Fundação Ford à Oxfam América destinamse a ajudar os produtores a melhorar a qualidade do café que produzem. Para os cafeicultores beneficiados por esquemas dessa natureza, as vantagens são consideráveis, mas iniciativas filantrópicas isoladas de empresas não são suficientes diante da escala da crise.

Preços mais altos, revitalização de meios de vida
As empresas torrefadoras poderiam assumir o compromisso de pagar preços que garantam uma renda decente aos produtores e de administrar suas cadeias de abastecimento no sentido de permitir que estes consigam mais benefícios do mercado e tenham uma renda adequada. Os ganhos devem cobrir mais que os custos de produção – devem permitir que os cafeicultores satisfaçam as necessidades básicas de suas famílias em termos de alimentação, educação básica, assistência médica e moradia. Há cálculos disponíveis desses custos, compilados tanto por autoridades de café de países produtores como por empresas, embora estes variem de país a país. É difícil estabelecer custos para pequenos produtores, tendo em vista que muitos dos insumos usados não possuem valor monetário e suas estruturas de custos são muito diferentes das de empreendimentos de maior porte. No entanto, essas dificuldades não devem ser usadas como uma desculpa para a omissão. Em poucos outros setores seria necessário argumentar-se que os custos dos fornecedores precisam ser cobertos, mas em poucos outros setores as empresas desfrutam do luxo de contar com uma base de abastecimento que continuará a ter prejuízos ano após ano. Mesmo que os preços subam, os cafeicultores continuarão expostos ao risco das flutuações de preços. Diante dessa questão, um grupo privado foi estabelecido sob a égide do Banco Mundial para ajudar pequenos produtores a administrarem o problema da volatilidade dos preços. A força-tarefa estabelecida envolve seguradoras e instituições financeiras

“O apoio do governo tem sido muito útil, porque estávamos num beco sem saída. Com os preços do café tão baixos, os produtores não conseguem comprar novas mudas. Mas aceitam mudas oferecidas de graça”, diz William Naggaga, da UCDA.103 A OIC e o Fundo Comum para Commodities tam-

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de países desenvolvidos e em desenvolvimento e atualmente está conduzindo esquemas piloto em diversos países. A idéia é disponibilizar instrumentos baseados no mercado aos produtores para que estes garantam um preço mínimo para o seu café. Como parte desse trabalho, uma pesquisa foi desenvolvida na Nicarágua para avaliar a demanda pelo serviço entre produtores. Os resultados indicam que mesmo quando os preços estão muito baixos, os produtores apreciam o benefício de pagar um ágio que garanta um preço de mercado para o seu café num futuro próximo. De acordo com o esquema proposto, os cafeicultores pagariam um “prêmio de seguro” para ter o direito, mas não a obrigação, de vender o seu produto a um preço pré-fixado.

Estabelecimento de alternativas efetivas para o desenvolvimento rural
O apoio de doadores será necessário para ajudar qualquer país produtor que tenha desenvolvido um plano viável que vise reduzir a produção de café e apoiar produtores particularmente pobres. O Vietnã, por exemplo, mencionou recentemente a necessidade de diminuir a produção de alguns de seus cafés da variedade robusta de qualidade mais baixa que geram prejuízos. Os cafeicultores, particularmente mulheres pobres, precisariam contar com apoio adequado para arcar com os custos dessa transição. Num contexto mais amplo, os esforços de diversificação da cultura do café precisam ser considerados à luz das tendências negativas registradas para outras commodities. A comunidade internacional há muito deveria ter adotado uma abordagem integrada para commodities.

Manutenção e desenvolvimento da capacidade de agregar valor
Para os produtores, uma das poucas maneiras de agregar valor é processando o café de modo a garantir sua qualidade. O café descascado e com a polpa extraída atrai um preço melhor por libra do que o fruto não processado. Investimentos em pequena escala em tecnologias adequadas podem gerar bons resultados para os produtores. Na Colômbia, por exemplo, a Federação do Café desenvolveu um processador mecânico portátil a motor que retira a polpa do fruto da variedade arábica. Disponibilizar essa máquina a cafeicultores em todas as áreas rurais significaria agregar muito valor a seus produtos. Obviamente, para que os produtores possam colher os benefícios desses investimentos, precisam ter a possibilidade de vender para um mercado que recompensa a qualidade. Governos nacionais e compradores (locais e internacionais) têm uma importante responsabilidade a assumir nesse sentido. Em âmbito nacional, agregar valor constitui um desafio considerável. Este desafio deve ser superado urgentemente com o objetivo de aumentar o processamento nos próprios países produtores. Mas o processamento por si só não é suficiente para agregar valor. O desenvolvimento de marcas, o marketing , a identificação de novas rotas de comercialização e de novas maneiras de chegar aos consumidores também fazem parte do processo, algo que os países produtores precisam desenvolver com urgência para aumentar suas receitas.

Conclusão
A forma pela qual o mercado do café tem sido administrado está provocando miséria em todos os países em desenvolvimento. Os problemas que essa situação acarreta para cafeicultores e países pobres não podem mais ser ignorados. Tudo tem um limite. O mercado do café deve operar a favor tanto dos pobres como dos ricos. Deve-se compreender o fracasso de esforços anteriores para intervir no mercado e aprender as lições. Mas há também lições que precisam ser aprendidas com base na situação atual. Querer que as pessoas mais pobres e impotentes do mundo negociem num mercado aberto com algumas das empresas mais ricas e poderosas do mundo significa pretender que os ricos fiquem mais ricos e os pobres mais pobres. Para que essa situação se reverta, faz-se necessária a participação de todos os atores envolvidos no comércio do café. O ano que vem será crítico. Os governos dos países produtores acordaram um plano que tem por objetivo reduzir a oferta, melhorando a qualidade do café que comercializam. Esse plano só dará certo se for apoiado por empresas e países ricos e complementado por medidas para atacar o subdesenvolvimento rural no longo prazo.

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Recomendações – Um Plano de Resgate para o Café
Café É necessário um Plano de Resgate para o Café que realinhe a oferta com a demanda e apóie o desenvolvimento rural, de modo que os cafeicultores possam ter uma renda decente. O plano precisa reunir os principais atores envolvidos na produção e no comércio do café para que a crise seja superada e se possa criar um mercado mais estável. Dentro de um ano, e sob os auspícios da OIC, o Plano de Resgate deve resultar em: 1. Compromisso das empresas torrefadoras de pagar um preço decente aos produtores. 2. Compromisso das empresas torrefadoras de só comercializar cafés que satisfaçam aos padrões do Esquema de Melhoria da Qualidade da OIC. 3. Destruição de pelo menos cinco milhões de sacas como medida imediata, a ser financiada por governos de países ricos e por empresas torrefadoras. 4. Criação de um Fundo de Diversificação destinado a ajudar produtores com baixa produtividade a buscar outros meios de vida. 5. Compromisso, por parte das empresas torrefadoras, de comprar volumes crescentes de cafés comercializados, de acordo com as condições propostas pelo movimento do Comércio Justo e diretamente dos produtores. Dentro de um ano, esse volume deve corresponder a 2%, com aumentos incrementais subseqüentes. O Plano de Resgate representa o piloto de uma Iniciativa Gestão de Gestão de Commodities, de prazo mais longo, destinadess da a melhorar os preços dess es produtos e a disponibilizar outros meios de vida para os produtores. Os resultados desse plano seriam os seguintes, entre outros: 1. Estabelecimento de mecanismos, por parte dos produtores e dos governos de países consumidores, para corrigir o desequilíbrio entre oferta e demanda, visando garantir preços razoáveis para os produtores. Os produtores devem estar adequadamente representados nesses esquemas. 2. Cooperação entre governos de países consumidores no sentido de impedir que entre no mercado um volume maior de commodities do que pode ser vendido. 3. Apoio aos países produtores para que estes extraiam uma parcela maior do valor de seus produtos primários. 4. Amplos financiamentos de doadores para reduzir a enorme dependência que os pequenos produtores têm de commodities agrícolas. 5. Fim dos duplos padrões adotados pela União Européia e pelos Estados Unidos no comércio de produtos agrícolas, que restringem as opções dos países em desenvolvimento. 6. Pagamento, pelas empresas, de um preço decente por produtos primários (acima dos custos de produção).

Café O Plano de Resgate para o Café só poderá ser bem-sucedido se todos os atores deste mercado se envolverem ativamente na sua execução. As recomendações apresentadas a seguir incluem elementos do que cada grupo pode fazer para que o plano funcione.

Empresas de café
Kraft, Gamble Empresas torrefadoras – Kraft, Nestlé, Procter & Gamble e Sara Lee 1. Comprometam-se a pagar um preço decente aos produtores. 2. Invistam um volume significativo de recursos na superação da crise do café (incluindo uma contribuição financeira para pacotes de ajuda humanitária contra a crise). 3. Rotulem produtos a base de café de acordo com a sua qualidade. 4. Comprometam-se a comprar volumes crescentes de cafés comercializados de acordo com as condições propostas pelo movimento do Comércio Justo e diretamente dos produtores. Dentro de um ano, o volume deve corresponder a 2% de suas compras de café, com importantes aumentos incrementais subseqüentes a serem determinados anualmente pelo movimento do Comércio Justo. 5. Desenvolvam atividades de lobby junto ao governo dos Estados Unidos para que este volte a ser membro da OIC. 6. Assumam compromissos claros e verificáveis de respeitar os direitos de trabalhadores migrantes e sazonais e as convenções da OIT.

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Varejistas (supermercados e cafés) 1. Exijam dos fornecedores que o café vendido por eles garanta um preço decente aos produtores. 2. Promovam marcas e produtos a base de café vinculados ao movimento do Comércio Justo. 3. Insistam para que produtos a base de café sejam rotulados de acordo com a sua qualidade. 4. A Starbucks deve divulgar publicamente suas verificações em relação à viabilidade comercial de suas diretrizes para a seleção de fontes para a compra de café.

3. Contribua para a realização de uma conferência internacional de peso sobre o café, organizada pelas Nações Unidas (UNCTAD) e pela OIC até fevereiro/março de 2003. Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e De(UNCTAD) senvolvimento (UNCTAD) 1. Desenvolva uma estratégia de longo prazo para o problema dos produtos primários. 2. Organize uma conferência internacional de peso sobre o café com a OIC até fevereiro/março de 2003. Governos de países produtores 1. Cooperem entre si para impedir que entre no mercado um volume de commodities maior do que possa ser vendido. 2. Coloquem a diversificação no centro das estratégias de redução da pobreza. 3. Disponibilizem mecanismos de apoio a produtores que precisam sair do mercado do café, incluindo assistência a mulheres deixadas em propriedades rurais da família. 4. Adotem medidas para satisfazer as necessidades imediatas de produtores rurais em termos de serviços de extensão, entre os quais: • informações técnicas e de comercialização, • esquemas de crédito e serviços de gestão de dívidas. Os serviços de extensão devem considerar, particularmente, as necessidades das mulheres produtoras. 5. Estabeleçam sanções contra práticas comerciais anticompetitivas que prejudiquem pequenos produtores rurais. 6. Avaliem o impacto do Esquema de Qualidade da OIC para pequenos cafeicultores, principalmente para mulheres produtoras. 7. Protejam os direitos de trabalhadores sazonais e fixos, visando garantir a aprovação e a implementação de leis trabalhistas compatíveis com convenções essenciais da OIT. Os direitos das mulheres trabalhadoras exigem atenção especial. 8. Promovam associações de pequenos produtores e empresas visando a fortalecê-los nos mercados nacionais de café. Governos de países ricos consumidores 1. Ofereçam apoio político e financeiro para eliminar o problema da superoferta por meio de medidas, tais como:

Governos e instituições
Café Organização Internacional do Café 1. Organizem, com a ONU (Organização das Nações Unidas) e com a participação do Banco Mundial, uma conferência de alto nível sobre a crise do café, presidida por Kofi Annan, até fevereiro/março de 2003, especificando que a participação deve estar vinculada à disposição e capacidade de assumir compromissos concretos. 2. Trabalhem com países produtores, organizações envolvidas no movimento do Comércio Justo e empresas torrefadoras para definir uma renda decente para os produtores. 3. Implementem o esquema de qualidade, após avaliar seu impacto para pequenos produtores rurais. Mundial Banco Mundial 1. Identifique o apoio que o Banco pode oferecer a países produtores na administração do impacto de curto prazo de baixas no preço do café, tecendo, também, considerações sobre o desenvolvimento rural no exercício do Documento de Estratégias para a Redução da Pobreza (PRSP). O Banco Mundial e o FMI devem desenvolver uma estratégia integrada de longo prazo para atacar o problema das commodities. 2. Continue a avaliar o processo do programa HIPC à luz da queda esperada nas receitas de exportação, em decorrência da baixa nos preços dos produtos primários, e tomar as medidas necessárias para que qualquer país que sofra os efeitos de uma queda importante nos preços de produtos primários entre o Ponto de Decisão e Conclusão da HIPC receba automaticamente uma assistência adicional em relação à dívida no Ponto de Conclusão para cumprir a meta de 150% de dívida-exportações.

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• apoio e ajuda financeira ao esquema de qualidade da OIC, incluindo o monitoramento da qualidade do café que entra em seus mercados oriundo de cada país produtor, disponibilizando rapidamente informações resultantes desse monitoramento; • eliminação das tarifas ainda em vigor; • destruição de estoques de café de qualidade inferior. 2. Apóiem a OIC como o foro no qual produtores e consumidores podem atacar a crise do café. 3. Aumentem o financiamento destinado ao desenvolvimento rural e aos meios de vida rurais na ODA (Assistência Externa ao Desenvolvimento). 4. Ofereçam incentivos para que as torrefadoras transfiram tecnologia e desenvolvam uma proporção maior do processamento de valor agregado nos países em desenvolvimento. Consumidores 1. Comprem mais cafés comercializados no âmbito do movimento do Comércio Justo. 2. Peçam aos varejistas que estoquem mais produtos comercializados no âmbito do movimento do Comércio Justo. 3. Exijam que as empresas adotem políticas de preços que garantam uma renda decente aos produtores. 4. Exijam uma melhor rotulação sobre a origem do café comercializado pelas torrefadoras/varejistas. 5. Peçam aos gerentes de fundos de pensão que levantem as questões indicadas abaixo.

Investidores 1. Estimulem as empresas torrefadoras a adotar esquemas de gerenciamento de cadeias de abastecimento e políticas de preços que garantam preços acima dos custos de produção e protejam os direitos trabalhistas dos trabalhadores em cafezais, visando garantir a sustentabilidade do mercado do café no longo prazo. 2. Digam às empresas de café nas quais investem que a promoção de melhorias na qualidade de vida de produtores rurais pobres será um critério-chave na avaliação da gestão do risco de sua reputação à luz dos preços que adotam e de sua gestão da cadeia de abastecimento.

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NOTAS
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peso, de modo a tornar esse preço comparável ao preço no varejo
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Pesquisa da Oxfam no Peru, fevereiro de 2002 Esta pesquisa foi realizada por Karen St Jean Kufuor, economista e consultora especializada em commodities “Sustainable Coffee Survey of the North American Speciality Industry” Daniele Giovannucci, junho de 2001 Relatório de um analista do Deutsche Bank, “Soluble coffee: A pot of Gold?”, 2 de maio de 2000 Esse lucro é realizado após a dedução dos custos operacionais, tais como comercialização, salários, processamento As margens dizem respeito às margens de lucro operacional (antes dos juros e impostos) Resultados financeiros de nove meses até março de 2002 do ano fiscal de 2002 Ibid Extraído de “Who gains when Commodities are De-commodified?”, de R Fitter e R. Kaplinsky, IDS 2001 Pesquisa da Morgan Stanley sobre Produtores de Alimentos. “Raising Nestlé price target to SFr410”. 12 de fevereiro de 2002 Notas da Nestlé para a Oxfam, 18 de julho de 2002 “Coffee Markets in East Africa: Local Responses to Global Challenges or Global Responses to Local Challenges”, Stefano Ponte, Documento de Trabalho 01.5 do Centro para Pesquisas sobre o Desenvolvimento Copenhague, setembro de 2001 Entrevista com a Oxfam em Cincinatti, 11 de junho de 2002 Notas da Nestlé para a Oxfam, 18 de julho de 2002 Natural: café da variedade arábica do qual os grãos foram retirados por meio de secagem ao sol, seguida de retirada da casca. O sabor pode ser mais forte que o do café lavado, no qual a polpa é retirada do fruto e o grão fermenta antes de ser descascado. Documento para discussão “Managing the Competitive Transition of the Coffee Sector in Central America”, BID, Banco Mundial e USAID, preparado para o workshop regional sobre a crise do café e seu impacto na América Central, Antigua, Guatemala, 3 a 5 de abril de 2002 “The Coffee Crisis in Perspective”, Panos Varangis e Bryan Lewin, Banco Mundial, 9 de março de 2002 Bernhard Benecke, “Germany, Market Strength”, Coffee and Coca International, junho de 2000 Pesquisa da Oxfam em Uganda, fevereiro de 2002

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Relatório de um analista do Deutsche Bank, “Soluble Coffee: A Pot of Gold?”, 2 de maio de 2000 Pesquisa da Oxfam em Uganda, fevereiro de 2002 “Bitter Coffee: How the Poor are Paying for the Slump in Coffee Prices”, maio de 2001, Oxford: Oxfam (disponível em inglês e espanhol) Fonte: FAO, OIC e Banco Mundial 1997-98 Oxford Analytica, Informe Diário para a América Latina, 19 de junho de 2002 Pesquisa realizada pela Oxfam no Brasil, fevereiro de 2002 Business Índia, maio de 2002 Pesquisa da Oxfam na província de Dak Lak em abril de 2002 e pesquisa realizada pelo ICARD Entrevistas realizadas pela Oxfam América, maio de 2002 Serviço de notícias da Dow Jones, 29 de maio de 2001 Pesquisa da Oxfam na Etiópia, abril de 2002 Dow Jones: “Lower Coffee Prices, Drought Leave 30,000 Hondurans Hungry”, 25 de março de 2002 Oxford Analytica, Informe Diário, “Central America – The Coffee Crisis”, 19 de junho de 2002 Pesquisa da Oxfam em Uganda, fevereiro de 2002 Declaração da Rede Regional Integrada de Informações (IRIN), Nações Unidas em Nairobi, 23 de janeiro de 2002 “The Coffee Market: A Background Study”, 2001, Oxford: Oxfam “The Coffee Crisis in Perspective”, Panos Varangis e Bryan Lewin, Banco Mundial, 9 de março de 2002 Oxford Analytica, Informe Diário sobre a América Latina. 19 de junho de 2002 Business India, maio de 2002 Nome trocado para proteger a identidade Documento para discussão “Managing the Competitive Transition of the Coffee Sector in Central America”, BID, Banco Mundial e USAID, preparado para o workshop regional sobre a crise do café e seu impacto na América Central, Antigua, Guatemala, 3 a 5 de abril de 2002 De 1999/00 a 2000/01 de acordo com a OIC Autoridade Ugandense para o Desenvolvimento do Café, citada pela agência de notícias AFP de Kampala, Uganda, em 10 de junho de 2002 De 1999/00 a 2000/01, de acordo com a OIC Dados do Banco Mundial Comentários extraídos de entrevistas e declarações feitas durante a Conferência do Café da América Central, realizada no período de 3 a 5 de abril e organizada pelo IADB, Banco Mundial e USAID

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Kraft Foods Third World Engagement – Apresentação de atividades em três países diferentes – documento passado à Oxfam em reunião realizada em 8 de abril de 2002 Ibid
Relatório sobre Café da FO Licht International, “Market Overview”, de Peter Buzzanell, 18 de abril de 2002 Gráficos da APPC Documento para discussão “Managing the Competitive Transition of the Coffee Sector in Central America”, BID, Banco Mundial e USAID, preparado para o workshop regional sobre a crise do café e seu impacto na América Central, Antigua, Guatemala, 3 a 5 de abril de 2002 Relatório sobre Café da FO Licht International, “Market Overview”, de Peter Buzzanell, 18 de abril de 2002 “Natural Enemies, Natural Allies”, de PS Baker, J Jackson e S Murphy Apresentação do Banco Mundial sobre café para a Associação de Café, 2002 Pesquisa da Oxfam na Etiópia, abril de 2002 “Dealing with Commodity Price Volatility in Developing Countries”, Força-tarefa internacional para a gestão de riscos relacionados a commodities em países em desenvolvimento, Banco Mundial, 1999 “New World Bank Reports Confirm that the HIPC initiative is failing”, Romily Greenhill, Jubilee, abril de 2002 Dados da OIC Consultoria da FAO, “Back to Office Report by World Bank Officials”, março de 2002

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Site da Bolsa de Commodities, Relatos de Ajuda Governamental, atualizado em 15 de janeiro de 2002 ibid ibid Dados para anos de safras; o último ano se refere ao período de 2000/2001 FO Licht: Estimativa da Produção Mundial de Café Associação de Países Produtores de Café e Oxford Analytica Financial Times, “Bumper Brazilian crop prompts fear of glut”, 7 de junho de 2002 Esse fato vai ficar caracterizado nos números relativos à produção brasileira para a safra de 2002/2003 Entrevista com a Oxfam, primavera de 2002 Serviço de Pesquisas Econômicas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), Agricultural Outlook, março de 1999 Dados da OIC, expressos em termos nominais Essas relações ajustam o preço do café em grãos verdes em função da perda de

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Tea and Coffee Trade Journal, dezembro de 2001
Números fornecidos pela Federação Européia do Café. A União Européia aprovou recentemente uma cota para café solúvel com uma taxa de 0% até um volume

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máximo. O Brasil se beneficia de uma grande proporção dessa cota permitida.
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“Coffee Markets in East Africa: Local Responses to Global Challenges or Global Responses to Local Challenges”, Stefano Ponte, Documento de Trabalho 01.5 do Centro para Pesquisas sobre o Desenvolvimento Copenhague, setembro de 2001 Pesquisa da Oxfam no Peru, fevereiro de 2002 “Coffee Markets in East Africa: Local Responses to Global Challenges or Global Responses to Local Challenges”, Stefano Ponte, Documento de Trabalho 01.5 do Centro para Pesquisas sobre o Desenvolvimento Copenhague, setembro de 2001 Documento preparado para seminário “Quality, Marketing Structure and Farmer Remuneration in Cocoa and Coffee”, Christopher Gilbert, ESI e FEWEB, Vrije Universiteit, Amsterdã, abril de 2002 Ibid Pesquisa da Oxfam em Honduras, março de 2002 Pesquisa da Oxfam na Etiópia, abril de 2002 Entrevistas realizadas pela Oxfam nas províncias de Dak Lak, Buonson e CuMgar, maio de 2002 Pesquisa da Oxfam no Peru, fevereiro de 2002 Pesquisa da Oxfam na Etiópia, abril de 2002 Entrevistas realizadas pela Oxfam América durante a conferência da SCAA, maio de 2002

Pesquisas
Casasbuenas, C. (2002) ‘Coffee in Honduras: Crisis or Opportunity?’ Crabtree, J. (2002) ‘Interviews with Coffee Farmers in Peru’ (em espanhol) e ‘Interviews with Coffee Industry Figures in Peru’ (em inglês) ICARD (2002) ‘Impacts of Trade Liberalisation on Coffee Farmers in Dak Lak Province’ (disponível no final de 2002 junto ao Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural do Vietnã) INESA (2001) ‘Le Café en Haiti: Situation Actuelle at Plaidoyer pour une Amélioration de la Situation Socioeconomique des Producteurs’ (disponível em inglês e francês) Jean-Kufuor, K.S. (2002) ‘Coffee Value Chain’ Knight, P. (2002) ‘Interviews with Coffee Industry Figures in Brazil’ Mayne, R. (2002) ‘The Coffee Crisis in Kafa Province of Ethiopia’ Oxfam (2001) ‘The Coffee Market: A Background Study’ Oxfam (2001) ‘Bitter Coffee: How the Poor are Paying for the Slump in Coffee Prices’ (disponível em inglês e espanhol) Pérez-Grovas, V., E. Cervantes e J. Burstein (2001) ‘Case Study of the Coffee Sector in Mexico’, Oxford: Oxfam Sayer, G. (2002) ‘ ‘Coffee Futures: The Impact of Falling World Prices on Farmers, Millers, and Exporters in Uganda’, Oxford: Oxfam

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“Aid To Agriculture”, OCDE, dezembro de 2001 http://www.oecd.org/pdf/M00029000/ M00029854.pdf
Declaração da IFAD na Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, Monterrey, México, março de 2002 (Site da IFAD) Relatório da Oxfam “Mudar as Regras – comércio, globalização e luta contra a pobreza”, abril de 2002 Ibid “An oversupply of Coffee Beans Deepens Latin America’s woes”, de Peter Fritsch, Wall Street Journal, 8 de julho de 2002

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“Connoisseurs Lift Coffees to Vintage Status”, Adrienne Roberts e Andrew Bounds, Financial Times, 5 de julho de 2002
Preço acordado estabelecido pela FLO Estudo do NRI/DFID sobre o Comércio Justo Kraft Foods e Third World Engagement Número fornecido pela FLO com base nos volumes vendidos com rótulos Números fornecidos pela DataMonitor, março de 2002 Isso é parte do trabalho realizado pelo Banco Mundial na área das Perspectivas de Desenvolvimento. Veja http://www.worldbank.org/prospects/indexold.htm “The Enhanced HIPC Initiative and the Achievement of Long-term External Debt Sustainability”, Documento do Banco Mundial para reuniões na primavera, 2002 Banco Mundial, “Burundi Transitional Support Strategy”, fevereiro de 2002 Banco Mundial, “Burundi: An interim strategy 1999-2001”, julho de 1999 “Interim Poverty Reduction Strategy Paper”, Avaliação conjunta do FMI e da IDA, janeiro de 2001 “Low Coffee Prices: Causes and Potential Solutions”, apresentação da Nestlé ao CSR Europa, 12 de julho de 2002 “The Coffee Crisis in Perspective”, Panos Varangis e Bryan Lewin, Banco Mundial, 9 de março de 2002 De acordo com uma modelagem desenvolvida pelo prof. Christopher Gilbert, se gundo a qual haveria um aumento de 2 centavos de dólar por libra no preço composto da OIC para cada 1 milhão de sacas eliminadas. Análise feita em 2001. Números calculados pela Oxfam com base no custo de se destruir grãos de café de qualidade extremamente baixa a 15 centavos de dólar por libra. O aumento em receitas de exportação foi calculado de acordo com dados da OIC, com base nas exportações de 84.189 milhões de sacas de grãos verdes no período de 2000/01 e um preço composto médio da OIC de 47,84 centavos de dólar por libra, gerando receitas de exportação no período de 2000/01 de US$ 5.314 milhões. A Oxfam parte da premissa de que os volumes de exportação permanecerão constantes em 2001/02, mas subtrai as 5 milhões de sacas a serem eliminadas. O volume de exportação de grãos verdes seria de 79.189 milhões de sacas a um novo preço melhorado de 57,84 centavos de dólar por libra, gerando US$ 6.043 milhões em receitas de exportação. Os benefício seriam bem maiores se incluíssemos nos totais exportados as 5 milhões de sacas de café processado dos países produtores Pesquisa da Oxfam em Uganda, fevereiro de 2002

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O trabalho da Oxfam com produtores de café
A Oxfam concede US$ 1,6 milhão anualmente em apoio a uma ampla gama de programas de desenvolvimento em regiões produtoras de café – na América Central, no México e no Caribe, na América do Sul, no cabo Horn, no Leste da África e no Leste Asiático. Esses programas procuram fortalecer a posição de produtores de café mais pobres no mercado, aumentando suas habilidades comerciais e técnicas e apoiando suas pesquisas, ações de advocacy e campanhas. Eles também incluem ajuda a pequenos produtores rurais para diversificar suas culturas, substituindo a do café, e para melhorar a qualidade do café que produzem. A Oxfam trabalha em parceria com o movimento do Comércio Justo, que tem trazido importantes benefícios para produtores pobres de café em todo o mundo. A Oxfam tem apoiado redes vinculadas ao movimento do Comércio Justo que têm se desenvolvido em diversas regiões com o objetivo de fortalecer os produtores e promover uma agenda comercial e política mais ampla.

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A Oxfam Internacional é uma confederação de doze agências de desenvolvimento que trabalham em 120 países em desenvolvimento: Oxfam América, Oxfam na Bélgica, Oxfam Canadá, Oxfam para Ajuda Comunitária no Exterior (Austrália), Oxfam Grã Bretanha, Oxfam Hong Kong, Intermón Oxfam (Espanha), Oxfam Irlanda, Novib Oxfam Holanda, Oxfam Nova Zelândia, Oxfam Quebec e Oxfam Alemanha. Favor telefonar ou escrever para qualquer uma dessas agências para obter mais informações de seu interesse. Oxfam América 26 West St. Boston, MA 02111-1206, USA Tel: (1) (617) 482-1211 E-mail: info@oxfamamerica.org www.oxfamamerica.org Oxfam Canadá Suite 300, 294 Albert St. Ottawa, Ontario, Canada K1P 6E6 Tel: (1) (613) 237-5236 E-mail: enquire@oxfam.ca www.oxfam.ca Oxfam Quebec 2330 rue Notre-Dame Ouest Bureau 200, Montréal, Québec Canada H3J 2Y2 Tel: (1) (514) 937-1614 E-mail: info@oxfam.qc.ca www.oxfam.qc.ca

Oxfam Irlanda Escritório em Dublin: 9 Burgh Quay, Dublin 2, Republic of Ireland Tel: (353) (1) 672-7662 E-mail: oxireland@oxfam.ie Escritório em Belfast: 52-54 Dublin Road, Belfast, BT2 7HN, UK Tel: (44) (28) 9023-0220 E-mail: oxfam@oxfamni.org.uk www.oxfamireland.org Oxfam GB 274 Banbury Road, Oxford, OX2 7DZ, UK Tel: (44) (1865) 31-1311 E-mail: oxfam@oxfam.org.uk www.oxfam.org.uk Oxfam na Bélgica Rue des Quatre Vents 60 1080 Brussels, Belgium Tel: (32) (2) 501-6700 E-mail: oxfam@oxfam.be www.oxfam.be Novib Oxfam Holanda Mauritskade 9 2514 HD The Hague, The Netherlands Endereço Postal: P.O. Box 30919, 2500 GX The Hague, The Netherlands Tel: (31) (70) 342-1621 E-mail: admin@novib.nl www.novib.nl Intermón Oxfam Roger de Llúria 15 08010 Barcelona, Spain Tel: (34) (93) 482-0700 E-mail: intermon@intermon.org www.intermon.org

Oxfam Alemanha Greifswalder Str. 33a 10405 Berlin, Germany Tel: (49) (30) 428-50621 E-mail: info@oxfam.de www.oxfam.de Oxfam Hong Kong 17/F, China United Centre 28 Marble Road, North Point Hong Kong Tel: (852) 2520-2525 E-Mail: info@oxfam.org.hk www.oxfam.org.hk Oxfam Ajuda Comunitária no Exterior 156 George St. (Corner Webb Street) Fitzroy, Victoria, 3065 Australia Tel: (61) (3) 9289-9444 E-mail: enquire@caa.org.au www.caa.org.au Oxfam Nova Zelândia Level 1, 62 Aitken Terrace Kingsland, Auckland New Zealand Endereço Postal : P.O. Box 68 357, Auckland 1032, New Zealand Tel: (64) (9) 355-6500 E-mail: oxfam@oxfam.org.nz www.oxfam.org.nz

Escritórios de Advocacy da Oxfam Internacional 1112 16th Street, Suite 600, Washington, DC 20036, USA Tel: (1) (202) 496-1170 E-mail: advocacy@oxfaminternational.org www.oxfaminternational.org

Rue des Quatre Vents 60, 1080 Brussels, Belgium Tel: (32) (2) 501-6761 E-mail: sonia.vilahopkins@oxfaminternational.org

15 rue des Savoises 1205 Geneva Tel: (41) (22) 321-2371 E-mail: celine.charveriat@oxfaminternational.org

355 Lexington Avenue, 3rd Floor, New York, NY10017, USA Tel: (1) (212) 687-2091 E-mail: nicola.reindorp@oxfaminternational.org

“Os produtores de café da América Latina estão enfrentando a pior crise dos últimos cem anos. Todas as pessoas que se preocupam com essa miséria crescente devem ler este relatório. Espero que ele seja usado para promover ações capazes de impedir que os cafeicultores que trabalham duro fiquem ainda mais pobres em decorrência do preço escandalosamente baixo pago pelas empresas transnacionais”.
Raul del Aguila, Junta Nacional Del Café de Peru (Organização dos Produtores de Café do Peru)

“A urgência da crise do café não deve ser subestimada. 25 milhões de produtores de café dependem de ações conjuntas de governos, empresas, cooperativas, sindicatos e ONGs para resolver o problema do colapso nos preços. A Organização Internacional do Café apóia a campanha da Oxfam, que representa uma importante contribuição nessa busca de soluções.”
Nestor Osorio, Diretor Executivo, Organização Internacional do Café

“Se algumas empresas fossem menos gananciosas, as pessoas dos segmentos de renda mais baixa teriam muito mais. Podemos fazer a nossa parte pressionando os políticos no sentido de porem fim a essa insanidade e também comprando cafés comercializados no âmbito do movimento do Comércio Justo. Espero que as pessoas apóiem a campanha da Oxfam para promover um Comércio Com Justiça”.
Chris Martin, da banda de rock Coldplay, do Reino Unido

O QUE TEM NO SEU CAFÉ?
Pobreza e miséria para os produtores de café, gigantescos lucros para grandes empresas. Se você aprecia um bom café mas acha os fatos expostos neste relatório difíceis de engolir, una-se a nós e exija um preço decente para os produtores pobres.

Foto: Rupert Elvin

As empresas de café: em suas próprias palavras...
Declarações sobre Responsabilidade Social Empresarial
A empresa Kraft Foods compartilha com seus consumidores, clientes e a indústria do café como um todo a preocupação com a sustentabilidade de longo prazo de cafés de boa qualidade. Isso significa que apoiamos... Um padrão de vida decente e cada vez melhor para os produtores de café e suas famílias.a O mercado encontrará sua própria solução à medida que países e produtores forem sendo empurrados para fora dele naturalmente. Nosso papel está do lado da demanda – o papel da Kraft consiste em aumentar o consumo.c Como produtores originais de mercadorias não processadas que são vitais para nossos produtos de qualidade, os cafeicultors precisam ter um nível geral de retorno financeiro aceitável para continuarem a ser participantes viáveis do setor do café no longo prazo.d Daqui a alguns anos, nos perguntarão não apenas se maximizamos o valor de curto prazo da empresa para nossos acionistas, mas também nos farão outras perguntas mais difíceis. Entre as quais, certamente, a seguinte: O que vocês fizeram para ajudar a combater a fome nos países em desenvolvimento?b A Nestlé está preocupada com a situação dos produtores de café, que atualmente recebem preços historicamente baixos por suas safras. Essa situação gera pobreza e sofrimento crescentes para eles e suas famílias.e A Nestlé é contra esses preços baixos, pois eles não são ruins apenas para os produtores, mas também para os negócios da empresa. Embora reduzam o custo de matérias primas no curto prazo, preços baixos inevitavelmente geram preços altos, pois são essas oscilações muito acentuadas que têm um impacto negativo sobre os nossos negócios.e

Declarações sobre Responsabilidade Social Empresarial

Opiniões sobre a crise

Vendas de US$ 33.875 milhõesi Lucros de US$ 4.884 milhõesii As vendas de bebidas, sobremesas e alimentos à base de cereais da empresa totalizaram US$ 1.192 milhõesiii
(Exercício encerrado em 31 de dezembro de 2001)

Vendas de US$ 39.244 milhõesvii Lucros de US$ 4.736 milhõesviii As vendas de alimentos e bebidas da empresa totalizaram US$ 547 milhõesix
(Exercício encerrado em 30 de junho de 2001)

A P&G tem sempre desenvolvido seus negócios com integridade e com base no princípio da empresa de “fazer a coisa certa”. Há muito tempo temos sido líderes na gestão de recursos humanos e na compensação e concessão de benefícios a nossos funcionários - garantimos segurança no local de trabalho, mecanismos de manejo ambiental em nossas operações, práticas comerciais éticas e envolvimento nas comunidades onde mantemos operações.j

O objetivo da Sara Lee é usar seu poder de compra para influenciar as pessoas e empresas das quais ela compra produtos e contrata serviços no sentido de que elas: abracem elevados padrões de comportamento ético, observem todas as leis e regulações aplicáveis e tratem seus funcionários de maneira justa, com dignidade e respeito, de modo a promover seu bem-estar, melhorar sua qualidade de vida e estimulá-los para que sejam cidadãos socialmente responsáveis nos países e comunidades nos quais desenvolvem suas atividades. A Sara Lee e a indústria do café como um todo não consideram essas flutuações (de preço) a partir da perspectiva de promover os interesses dos produtores locais, da indústria ou do consumidor.m

Opiniões sobre a crise

Nenhum participante do mercado do café pode negar a crise.k Reconhecemos os problemas sociais que muitas famílias produtoras de café estão enfrentando em decorrência da situação atual de superprodução global e preços baixos. A P&G está empenhada em ajudar nas questões sociais e econômicas subjacentes que contribuem para essa situação e queremos trabalhar com organizações respeitáveis que possam nos ajudar a desenvolver soluções sistêmicas de longo prazo.l

Opiniões sobre o controle da superoferta no mercado do café, incluindo o Esquema de Melhoria da Qualidade da OIC

Nossa função na indústria do café é oferecer produtos à base de café a preços razoáveis, que satisfaçam as expectativas de nossos consumidores tanto em termos de qualidade como de valores. O esquema de qualidade proposto pela OIC constitui uma maneira de se mudar o atual ambiente desfavorável de preços. Portanto, estamos avaliando esse programa cuidadosamente para compreender suas implicações para nossos complexos negócios globais e sua possível contribuição para uma abordagem construtiva à atual situação do mercado.f Não vai dar certo. Nunca deu certo porque se trata de um esquema voluntário e seu objetivo não é claro. Nos opomos fundamentalmente a qualquer esquema que implique intervenções nos preços.g

A Nestlé apóia plenamente o Esquema de Melhoria de Qualidade da OIC e sua aplicação, já que ele diz respeito à exportação de café verde de países produtores.h A Nestlé considera a OIC como a melhor plataforma para o estabelecimento de um mecanismo de estabilização de preços, uma vez que o sucesso de uma iniciativa desse tipo exige um compromisso por parte de governos de países produtores e importadores. A menos que criemos um sistema completamente novo, a OIC continua sendo o único foro viável.h A Nestlé apóia qualquer esforço coordenado que envolva governos, o setor do café como um todo, agências intragovernamentais e ONGs para eliminar o ciclo de prosperidade e colapso e ajudar os produtores de café individualmente.e

Marcas de peso Philadelphia, Tang, Jello, Oscar Mayer, Oreo, Milka, Lifesavers Marcas de café Maxwell House, Jacobs, Café Hag, Carte Noire, Gervalia Kaffe, Nabob Produtos consumidos por 99,6% de todas as famílias dos Estados Unidos

Marcas de peso Pringles, Iams, Pampers, Always & Ariel. Marcas do “clube de bilhões de dólares” da empresa Marcas de café Folgers, Milltone

A Procter & Gamble comercializa mais de 250 marcas para quase cinco bilhões de consumidores em mais de 140 países

Opiniões sobre o controle da superoferta no mercado do café, incluindo o Esquema de Melhoria da Qualidade da OIC

Apoiamos os esforços da Associação Nacional do Café para identificar mecanismos que visem garantir uma oferta adequada e sustentável de café nas faixas de qualidade exigidas pelos consumidores, levando em consideração, também, necessidades sociais e ecológicas. Apoiamos, também, esforços como os concursos Cup of Excellence (xícara de excelência), que promovem os melhores cafés produzidos nos países que sediam esses concursos.l A P&G apóia a postura da Associação Nacional do Café em relação à crise do café. A P&G não pretende apoiar o Esquema da OIC porque ele não se afina com as propostas da Associação Nacional do Café. Como empresa, temos apoiado países produtores de café em três níveis: Local - Contribuições de diversos escritórios da P&G em todo o mundo, no Brasil, no México e na Venezuela, para a construção de escolas. De Unidade Comercial - US$ 1,5 milhão em financiamentos concedidos a uma organização sem fins lucrativos, a Technoserve, para ajudar pequenos produtores de café. Corporativo - A P&G paga contribuições a organizações como a The Nature Conservancy e a esforços para aliviar os efeitos de desastres naturais.n

A Sara Lee não se sente à vontade com a idéia de se lançar esquemas de apoio aos preços do café. O mercado precisa restabelecer o equilíbrio entre a oferta e a demanda. Acreditamos que a melhor solução seria …melhorar a qualidade do café no nível local. Compensar os produtores de café pelo ônus de uma renda mais baixa pagando preços artificialmente garantidos constitui um incentivo para a superprodução e gera posições discriminatórias indesejadas no mercado do café verde. Por essa razão, a Sara Lee não promoverá ou iniciará qualquer esquema de comercialização de café no nível proposto pelo movimento do Comércio Justo.m O apoio dado pela Sara Lee inclui “a execução de projetos em países produtores (Vietnã, Uganda, Brasil) para ajudar produtores de café e suas famílias a melhorar suas condições de vida, desenvolvendo e implementando métodos de produção que provoquem o menor impacto possível sobre o meio ambiente e melhorem a qualidade do café cultivado, garantindo preços mais altos no mercado para o produto”.o

Medidas tomadas para atacar a crise

A Kraft gastou US$ 500 mil num esquema de melhoria da qualidade no Peru. A empresa afirma que seus esforços, empreendidos conjuntamente com uma cooperativa local, a Cocla, para introduzir melhores padrões de qualidade, melhoraram o preço que o Peru recebe por seu café. A Kraft também apóia mecanismos de melhoria da qualidade implementados no Vietnã, principalmente na área de produção de café da variedade arábica de Tan Lam, juntamente com as empresas Douwe Egberts, GTZ e Tan Lam.f

A Nestlé tem diversos projetos em andamento para ajudar a melhorar a situação do pequeno produtor. O México é um exemplo dessa iniciativa.h

Vendas de US$ 50.415 milhõesiv Lucros de US$ 5.487 milhõesv As vendas de bebidas da empresa totalizaram US$ 2.535 milhõesvi
(Exercício encerrado em 31 de dezembro de 2001)

Vendas de US$ 17.747 milhõesx Lucros de US$ 2.037 milhõesxi As vendas de bebidas da empresa totalizaram US$ 485 milhõesxii
(Exercício encerrado em 30 de junho de 2001)

Medidas tomadas para atacar a crise

Preços e ágios pagos pelo caféi

A Kraft paga um ágio pela qualidade de uma grande proporção do café verde que a empresa compra. Em sua grande maioria, o nosso café é comprado de empresas exportadoras nos países de origem. Portanto, não podemos avaliar diretamente a magnitude dos benefícios que produtores específicos usufruem. No entanto, acreditamos, de um modo geral, que os produtores de café aos quais pagamos um ágio pela qualidade recebem preços mais altos do que receberiam na ausência desses pagamentos diferenciados.f

Cerca de 13% do nosso café são comprados diretamente e com um ágio pela qualidade. O mecanismo usado para garantir que o produtor rural seja beneficiado com um ágio varia de país a país, mas temos controles para garantir a efetiva disponibilização desse benefício em todos os casos.h

Marcas de peso Nestlé, Nescafé, Nestea, Maggo, Buitoni e Friskies Marcas de café Nescafé, Gold Blend

3.900 xícaras de Nescafé são consumidas a cada segundo em mais de 120 países em todo o mundo

Marcas de peso Playtex, Wonderbra, Hanes, Sara Lee (bolos) Marcas de café Douwe Egberts, União, Pilão, Superior Coffee, Maison de Café US$ 20 bilhões em receitas anuais de vendas em 180 países
Preços e ágios pagos pelo caféi

A P&G compra um alto percentual de seu café diretamente de exportadores que têm escritórios em países produtores. Os funcionários do nosso Departamento de Café Verde passam muito tempo nesses países trabalhando com os exportadores; esses exportadores ajudam a traduzir nossas necessidades locais em termos de qualidade na cadeia local de abastecimento.

Na compra de café verde, a Sara Lee manterá sua Política para Pequenos Produtores (adotada desde 1989), no âmbito da qual ela se compromete a comprar pelo menos 10% de todo o seu café diretamente de pequenos produtores e associações de pequenos produtores, desde que eles garantam a qualidade exigida e preços acordados.o

a

Kraft Foods “Sustainability – an important issue in the brand orientated food industry”, apresentado para Oxfam em 23 de abril de 2002.

d e

Carta ao Senador Sam Farr, 7 de março de 2002.

h i

Carta à Oxfam, 26 de junho de 2002.

i Receitas Operacionais ii Receita operacional (declaração consolidada de renda) iii Renda da North American Operating Co. iv Vendas a Clientes

v Lucros comerciais vi Resultados vii Vendas líquidas viii Receita operacional

ix Receita antes do pagamento de impostos x Vendas líquidas xi Receita operacional xii Receita operacional

j

Low coffee prices Causes and Potential Solutions – Apresentação ao CSR Europa, 12 de julho de 2002. Carta à Oxfam, 26 de junho de 2002. Entrevista com a Oxfam, 23 de abril de 2002.

Nenhuma empresa se dispôs a revelar os preços médios pagos pelo café.

Declaração da P&G sobre Responsabilidade Social Empresarial, julho de 2002 www.pg.com/about_pg/ corporate/sustainability/faq Entrevista com a Oxfam, 11 de junho de 2002.

l

Documento sobre Sustainable Coffee apresentado à Oxfam em 11 de junho de 2002. Entrevista com a Oxfam, 10 de junho de 2002.

n o

Site da Folgers, página da Procter & Gamble Carta à Oxfam, 19 de junho de 2002.

m

Peter Brabeck-Letmathe, Diretor-Presidente da Nestlé, 30 de novembro de 1999 “The Search for Trust”. c b

f g

k

Entrevista com a Oxfam, 23 de abril de 2002.

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