Relatório de Sociologia sobre o filme “A Classe Operária vai ao Paraíso”

Marcos Vinícius Rovai Salhab 315141

O relatório será feito através de tópicos, buscando relacionar cada um com os textos do curso e com o filme. * Poder e controle do trabalho: No regime fordista, as pessoas eram distribuídas no espaço (cada pessoa em um lugar e em cada lugar uma pessoa) para que se pudesse obter um maior controle sobre os seus trabalhos. Segundo David Harvey em “A Condição Pós-Moderna” essa questão envolve uma “mistura de repressão, familiarização, cooptação e cooperação, elementos que têm de ser organizados não apenas no local de trabalho como na sociedade como um todo. A socialização do trabalhador nas condições de produção capitalista envolve o controle social bem amplo das capacidades físicas e mentais” No filme, se tem como cenário principal uma fábrica que produz peças para motores. Os trabalhadores eram obrigados a ficar de pé, nunca sentados, sendo que o cumprimento das metas de produtividade estava acima de qualquer outro fator. Esse “controle social das capacidades físicas e mentais” do trabalhador pode ser verificado na cena em que um deles, em decorrência de algum distúrbio, sofre de uma incontinência urinária. Percebe-se que esse distúrbio só se agravou em razão da obrigação de trabalhar de pé que era imposta. O momento em que Lulu perde seu dedo também pode ser citado. Outro exemplo de controle do trabalho que pode ser identificado, está no fato de que os operários não controlam o ritmo do trabalho que realizam. Na fábrica, essa situação claramente se dá por meio do sistema de metas de produção. Assim, aquele que não cumprisse com as metas poderia sofrer as conseqüências. O personagem principal Lulu é o típico operário que se submete a uma exploração desumana em seu trabalho e não contesta a forma como esse trabalho é organizado. Na realidade, Lulu acredita que sendo um bom exemplo de trabalhador ele poderá obter benefícios financeiros. Sendo assim, Lulu rapidamente ganha a confiança de seus chefes, passando a ser visto por eles como um bom parâmetro para os outros funcionários. Pode-se inferir que o controle do trabalho na fábrica passa a ter Lulu como eixo central. Essa situação gera um enorme descontentamento por parte de seus colegas, sobretudo daqueles mais politizados que consideravam exaustiva aquela rotina. Além dos exemplos citados acima, pode-se afirmar que o fato de os chefes, através de alto-falantes, incentivarem os trabalhadores no início das jornadas de trabalho, também é um mecanismo de poder sobre os operários, apesar de muitos se mostrarem insatisfeitos com a forma de organização. Por último, outra questão que pode ser identificada nesse sentido está no fato de todos os trabalhadores terem que trabalhar usando um certo avental. Tal detalhe pode parecer insignificante, mas é simbólico e representa muito bem o mundo submisso no qual viviam os operários. * Reforma e Revolução: A princípio, o personagem principal do filme, Lulu, é totalmente destituído de posição política. Passivamente, ele aceita todas as regras que são impostas pelos donos da fábrica, tendo uma atitude totalmente submissa em relação às ordens e tarefas que lhe são impostas. Em outras palavras, pode se afirmar que Lulu era o típico operário do auge do fordismo no pós-guerra, o qual se sujeitava a um intenso e degradante modo de organização do trabalho em troca de uma remuneração que, apesar de superior àquela da condição de proletariado, permitindo pela primeira vez o acesso ao consumo por parte da classe trabalhadora, ainda se constituía em uma exploração. Entretanto, essa exploração era invisível aos olhos de Lulu. Já seus colegas de fábrica questionavam as altas metas que eram exigidas, as quais tinham os resultados de Lulu como referência, dizendo que ele deveria se empenhar em diminuí-las ao invés de aumentá-las. No filme, na cena em que antecede o momento no qual Lulu perde seu dedo na máquina, é possível notar o caráter reformista da posição dos colegas do protagonista. Um deles diz para Lulu “pensar quando tiver sua espinha dorsal tomada pela artrite”, ao mesmo tempo em que indica que ele terminará sua vida sem nenhum amigo e com pneumonia. No filme, pode-se dizer que os colegas de Lulu se encaixam muito mais dentro de uma classe reformista do que revolucionária. Isso se dá porque esses trabalhadores, ao invés de se unirem aos estudantes que defendem uma abolição completa do modo de organização do trabalho, dizendo que os operários não devem buscar acordo algum, mas sim acabar com o processo de metas para produção, eles têm outra postura. Enquanto os estudantes acreditam que a fábrica é uma prisão, dizendo que “deve-se fugir dela ou arrebentar tudo”, os trabalhadores se unem aos sindicalistas, os quais, diferentemente dos estudantes que se apóiam em uma alternativa muito mais radical e revolucionária, buscam conquistas que poderão ser obtidas gradualmente, como aumentos sucessivos de salários e o ganho de outros direitos trabalhistas. A partir disso, pode se dizer que esses sindicatos aos quais se uniram os colegas de Lulu têm a mesma função dos chamados sindicatos pelegos que fizeram parte do pacto fordista. Esses sindicatos eram os únicos reconhecidos legalmente. Eles concordam com o tipo de trabalho que é imposto aos operários, aceitando impor uma disciplina ao trabalho destes. Em troca, era possível brigar por aumentos de salários, além dos sindicatos conseguirem a permanência dos trabalhadores por um bom tempo em uma mesma empresa. Por outro lado, os sindicatos comunistas revolucionários, que no filme são representados pela posição extrema dos estudantes, passaram a ser cada vez mais fortemente reprimidos. Essa questão pode ser verificada no texto de Harvey, que diz que “Não obstante, as organizações sindicais burocratizadas foram sendo cada vez mais acuadas (às vezes através do exercício do poder estatal repressivo) para trocar ganhos reais de salário pela cooperação na disciplinação dos trabalhadores de acordo com o sistema fordista de produção.” Assim, já no meio do filme, mais precisamente a partir do momento em que Lulu se acidenta na fábrica e acaba por ter o seu dedo cortado, ele finalmente adota uma posição política em detrimento da aceitação passiva de tudo que lhe era imposto em seu trabalho. Entretanto, ao invés de optar por se ligar aos sindicatos trabalhistas, que tinham uma postura mais moderada, como fizeram os seus colegas, Lulu escolheu o caminho radical dos estudantes. É possível identificar uma clara oposição entre o grupo dos estudantes e dos sindicalistas. Estes últimos acreditam que os primeiros visam promover uma quebra na unidade de seu grupo. O ápice desse conflito se dá no momento em que uma assembléia dos sindicalistas acaba por decidir que diminuirá a jornada de trabalho em duas horas. Entretanto, Lulu passa por cima da decisão da assembléia e propõe uma greve o mais rápido possível. Neste momento, a unidade do movimento de fato se quebra, pois o radicalismo dos estudantes se sobressaiu. Os estudantes, com a proposta de greve imediata, promovem um violento embate com a polícia, em que Lulu, até então com uma posição política passiva, tem uma atuação decisiva, inclusive se jogando em cima do carro de um dirigente da fábrica. A repressão da polícia é severa, e Lulu leva seus novos amigos, os estudantes, para sua casa. Após certo tempo, Lulu se dá conta de que a opção revolucionária não foi a melhor, pois isso resultou na perda de seu emprego (exemplo de repressão a quem se une a sindicatos revolucionários). Entretanto, certo tempo depois, Lulu é informado de que o sindicato dos trabalhadores conseguiu sua readmissão à fábrica. Assim, pode se dizer que Lulu deixa de ser um revolucionário e se une aos reformistas. * Consumo e Indústria Cultural: Na esfera do consumo, o fordismo foi um regime que provocou profundas mudanças. Anteriormente, os trabalhadores, apesar de serem parte central e fundamental do sistema capitalista, eram excluídos do consumo. O salário que recebiam era apenas para a reprodução da própria existência. Em relação a essa situação, Robert Castel, no seu texto “A Sociedade Salarial”, definiu o proletário como “(...) Um elo essencial no processo de industrialização nascente, mas que está condenado a trabalhar para se reproduzir e (...) acampa a sociedade sem se encaixar”. Portanto, os proletários eram trabalhadores máximos e consumidores mínimos. Já do fordismo em diante, essa situação passiva em relação ao consumo se modifica. Isso pode ser facilmente identificado no filme. Grande parte do salário de Lulu obtido através do suor de seu trabalho é utilizada para satisfazer os desejos consumistas de sua esposa. É possível até mesmo notar mais um claro sinal de quão inserida na sociedade consumista está a mulher de Lulu. Isso é evidenciado pelo fato do operário ser proibido pela esposa de assistir televisão em uma sala de visitas, sob o pretexto de que poderá desarrumá-la. Retomando o texto de Harvey, o autor diz que “o que havia de especial em Ford era sua visão (...) de que produção em massa significava consumo de massa”. Assim, pode se compreender melhor o porquê de um trabalhador de chão de fábrica como Lulu estar na posição de consumidor também. Deve estar claro que esse processo de promover o consumo de massa de uma grande quantidade de produtos só se tornou possível graças ao papel de um importante fator: a indústria cultural. A dominação que ela exerce sobre a mente dos consumidores é idêntica à sofrida pelos trabalhadores em seus trabalhos. Em outras palavras, essa dominação se reproduz na esfera do consumo. Como um claro exemplo dessa influência da indústria cultural sobre a população no filme de Petri, pode ser citado o fato de que por várias vezes quando está em casa com sua esposa, Lulu deixa a televisão ligada. Ao mesmo tempo, pode se identificar o hábito da leitura de jornais impressos. A princípio, isso pode parecer um detalhe insignificante, mas implicitamente revela muito dos novos hábitos e culturas que estavam se constituindo nas pessoas. * O que seria o paraíso? O caso do ex-militante Militina é emblemático para o filme. Em um diálogo com Lulu, ele revela que seus primeiros sintomas de loucura tinham relação com uma certa obsessão de deixar todas as coisas em ordem. Surpreendentemente, era isso o que estava acontecendo com Lulu naquele momento, em razão do trabalho alienante. Mas o que foi determinante para a internação de Militina foi o fato de ele ter se revoltado com um dos chefes de sua empresa. Analisando-se friamente, pode se dizer que Militina estava apenas mostrando sua insatisfação com o sistema que o oprimia. Entretanto, aquele que escapava do comportamento padrão de submissão ao que era imposto (comportamento da maioria), era rotulado de “anormal”, “louco”. Assim, a partir da análise do filme, é possível inferir que o paraíso ao qual se refere o título tem relação com o momento (que ainda não chegou) em que os operários ficarão finalmente livres do sistema que os oprime e explora com um trabalho alienante.